sábado, 20 de março de 2010

EFEITOS ESPECIAIS

Na coluna «Opinião», de João Lopes, dedicada ao cinema e da qual sou visitante assíduo, vejo-me a ler (Diário de Notícias, 10-III-2010) um título que logo me aguçou a curiosidade: «Efeitos (pouco) especiais» (pergunto-me se acha pouco e queria mais). Logo mergulhei na sua leitura por várias razões que, aliás, todos conhecem: uma, por se tratar de João Lopes, que logo induz a uma leitura serena e inteligente; outra, pelo facto de o título me parecer oportuno, já que efeitos especiais é, nos tempos actuais, qualquer coisa que mexe com os neurónios do cidadão da rua, e nos faz pensar até que ponto esses efeitos tão especiais - tanto no cinema como na vida real - acabam por ser sujeito e não predicado da acção e que nos põe a cabeça à roda e a perguntarmos se é de exibir os avanços da Ciência e Tecnologia, incluindo a Economia, ou se é a Tese, o entrecho que se deseja transmitir e cativar.
Outra vertente muito explorada é a do «Estado da Nação», cujos figurantes, utilizando os melhores truques de efeitos especiais, nos fazem sentir que estamos vivendo no País das Maravilhas, tal a imaginação que nos ensopa de esperança e alegria de viver que mal entramos na realidade e nos confrontamos com a vida real. Temos - verdade seja dita - desempenhos magistrais que quase nos faz negar a realidade, só sentida quando voltamos à vida real, já despojados de efeitos especiais, mas vendo e sentindo a vida em sua plena agressividade.
Nestes desempenhos é difícil dizer quem é melhor em estilo de representação ou de tema: policial, drama, ópera-bufa, revista, aventuras, cowboys, etc. Em qualquer destes temas temos do melhor em desempenho, tudo devendo aos efeitos especiais, ao ponto do Zé Povinho já não saber o que é verídico ou virtual por efeito especial. Sendo assim, a vida é boa. Lá estará o hemiciclo afinado, para não haver fífias, quando chamado à representação democrática de efeito especial.
Valha-nos a imaginação.
Para ajudar, dentro de dias vem a visita do Papa, que cai como sopa no mel, pois não deixará Sua Santidade de rezar para que não se perca a fé. Pela minha parte já me sinto mais confiante. Não faltarão os efeitos especiais, E estes vêm do Céu, têm valor acrescentado. Além disso, sempre é uma folga para o primeiro-ministro repousar uns minutos, pois não estando acima de tudo e de todos tem de dar o canastro ao manifesto.
E já agora não se esqueça de mandar 1€ de «arredondamento» para o Jardim Atlântico que é outro efeito especial, este em formato de promessa à Senhora de Fátima.
Para terminar: haverá alguém neste país que esteja acima do efeito especial? Antes de responder, «Páre, Escute e Olhe» para a esquerda e a direita.
Obrigado João Lopes por me ter chamado a atenção para os efeitos de que tanto se fala, usa e abusa. É cómodo estar por cima de tudo. Pelo menos é estratégico. E, talvez assim, se evitem enganos.
Fernando Vieira de Sá

domingo, 7 de março de 2010

«QUEM MORRE?», DE PABLO NERUDA

Duas notas pessoais no conjunto de todas: «Evitemos a morte em doses suaves (...)» e «Somente a perseverança fará com que conquistemos um estágio esplêndido de felicidade» FVS

QUEM MORRE?

Morre lentamente quem não viaja,
quem não lê,
quem não ouve música,
quem não encontra graça em si mesmo.

Morre lentamente quem destrói o seu amor-próprio,
quem não se deixa ajudar.

Morre lentamente quem se transforma em escravo do hábito,
repetindo todos os dias os mesmos trajectos,
quem não muda de marca,
não se arrisca a vestir uma nova cor
ou não conversa com quem não conhece.

Morre lentamente quem faz da televisão o seu guru.

Morre lentamente quem evita uma paixão,
quem prefere o negro sobre o branco
e os pontos sobre os "is"
em detrimento de um redemoinho de emoções
justamente as que resgatam o brilho dos olhos, sorrisos
dos bocejos, corações aos tropeços e sentimentos.

Morre lentamente quem não vira a mesa quando está infeliz com o seu trabalho,
quem não arrisca o certo pelo incerto para ir atrás de um sonho,
quem não se permite pelo menos uma vez na vida fugir dos conselhos sensatos.

Morre lentamente, quem passa os dias queixando-se
da sua má sorte ou da chuva incessante.

Morre lentamente, quem abandona um projecto antes de iniciá-lo,
não pergunta sobre um assunto que desconhece
ou não responde quando lhe indagam sobre algo que sabe.

Evitemos a morte em doses suaves,
recordando sempre que estar vivo exige um esforço muito maior que o simples facto de respirar.
Somente a perseverança fará com que conquistemos um estágio esplêndido de felicidade.


Pablo Neruda

UM ALTRUÍSTA PORTUGUÊS QUE SOFRE MAIS PELA DEMOCRACIA DE CUBA DO QUE PELA DE PORTUGAL


O grito bate no fundo das nossas almas:
«Comunidade internacional deve pressionar regime cubano»,
Diário de Notícias, 1 de Março de 2010


Há meses atrás um senhor de nome Ribeiro e Castro, que deputa na Assembleia da República, arvorou-se em bandeirante ou cruzado dos tempos modernos, erguendo o pavilhão da Guerra Santa contra Cuba com um artigo próprio de alguém que quer mostrar serviço para que não se esqueçam dele à hora do rancho. Lembou-se de desancar Che Guevara, chamando-lhe «assassino», e Cuba, o território onde o dito «salteador» perpetrava os seus crimes.
Não se percebe muito bem a oportunidade da questão, dando-a, portanto, como uma descarga de bílis face a tudo aquilo que se passa à sua falta e altera a boa disposição.
Embora a afirmação não tenha a exigência de responsabilidade, trata-se apenas de um blá-blá, seria bom pelo menos dar-lhe um caldinho no cachaço, só para lhe mostrar que, por muita irresponsabilidade que se perdoa, também é conveniente mostrar que nem tudo pode ser afirmado de borla, E, como tal, escrevi algumas achegas, apenas para desmontar a anedota.
Pensava eu que o assunto estava encerrado, mas não. Mais recentemente, o sobredito cruzado faz declarações na imprensa que dão origem a um artigo, assinado por Pedro Correia (Diário de Notícias, 1 de Março de 2010), com um título a letras gordas: «Comunidade Internacional deve presionar regime cubano», dando conta das suas cristãs preocupações com a repressão em Cuba e com os riscos e agressões que a democracia aí sofre a toda a hora.
Trata-se de um toque de clarim dado por um cidadão a quem, pelo posto que ocupa na sociedade portuguesa, pois deputa na Assembleia da República, ficaria bem um certo bom senso e cultura política, tratando-se de democracia. O senhor RC esquece-se de tudo ou pelo menos do essencial, o que põe de rastos todas as suas divagações.
O senhor RC certamente leu em qualquer cartilha que a democracia não pode exercer as suas bases filosóficas e aplicações no terreno sem uma base sólida em dois pilares fundamentais - a Educação e a Saúde, já para não falar do Direito ao Trabalho - que, a não existirem, também a democracia sofre todos os riscos e agressões e não funciona por mais voltas que se lhe dêem. Uma outra nota para o cruzado porta-bandeira tomar em conta, é que, com todas as restrições que afligem o senhor RC, em Cuba, por exemplo, não há analfabetismo há muitos anos e o serviço de saúde pública é dos melhores do mundo, isto tudo confirmado pelas estatísticas de organismos internacionais. Se o senhor RC duvida tenho o maior prazer em lhe enviar as estatísticas internacionais competentes. E daí, de que Cuba é por direito próprio e definição um dos países em que a democracia é mais legítima. O que o senhor cruzado chama ditadura é simplesmente não aceitar quintas colunas por conta dos EUA, que combate o regime cubano por ser contrário aos seus desejos e projectos o que, aliás, todo o mundo sabe, mas nada disto tem que ver com a democracia, mas sim com imperialismo.

O que se estranha é como o senhor RC se preocupa tanto com Cuba e quanto à democracia em Portugal não diz nem faz nada. E o grave é que o senhor RC é pago para defender a democracia e não para dar lustro ao cadeirão em que se senta a pensar nos outros. Aqui há qualquer coisa mais grave que o povo contesta.
O meu pedido como cidadão, e com toda a segurança em nome de muitos, é que o senhor RC olhe para dentro e veja o estado da Nação em termos de Educação, que está na rua da amargura, e de Saúde aspas, aspas, aspas.
Faça uma cruzada, vá para a rua, e todos lhe agradeceremos.
Fernando Vieira de Sá
Lisboa, 7 de Março de 2010