domingo, 8 de fevereiro de 2009

«OPERAÇÃO DULCINEIA» - O ASSALTO AO «SANTA MARIA». CATORZE DIAS QUE ABALARAM SALAZAR E SURPREENDERAM O MUNDO


O assalto ao Santa Maria, em Janeiro de 1961, visto por Fernando Vieira de Sá a partir do México, é um dos capítulos incontornáveis do livro Ecos do México - Da História e da Memória, pp. 195-218, cuja leitura hoje sugerimos. Deixamos aqui uma pequena citação (p. 203) a propósito: «Nesse dia 24 de Janeiro de 1961 toda a imprensa mundial sacudiu o mundo com a notícia de oito colunas de um acontecimento tão inédito quanto insólito: o assalto em alto-mar a um transatlântico quando este sulcava majestoso as tíbias e plácidas águas antilhanas a caminho do seu destino: Flórida e depois Lisboa. Mais inédito e mais insólito ainda, por esse feito já ter sido consumado ao alvorecer da madrugada de 22 de Janeiro, só se tornando conhecido, logo à escala mundial e de chofre, na manhã de 24.
O tal transatlântico era, nem mais nem menos, o Santa Maria, de bandeira portuguesa, a "menina dos olhos" da frota mercante de Portugal.»

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

MARIA ELVIRA [1917-1999]

No dia 5 de Fevereiro de 1917, faz hoje 92 anos, nasceu em Lisboa Maria Elvira Andrade Mendes de Magalhães. Para assinalar a data, aqui deixamos as palavras de Fernando Vieira de Sá a pp. 42-43 de Viagem ao Correr da Pena e o registo fotográfico da singela homenagem que se fez nas pp. 48 e 49 dessa mesma obra.

«A minha sorte, porém, vinha sendo construída desde há muito mais tempo e penso muitas vezes: o que teria sido eu, ou o meu percurso, sem essa incomparável companheira que foi de todas as horas, cuja influência tão delicada e sábia não se fazia sentir, mas definitivamente actuava sempre com inteligência, bom-senso, humanismo, bondade e concórdia? Todos os que a conheceram e com ela conviveram nas mais diversas oportunidades a admiravam [...]. Quando, por excepção, [ocorria] algum daqueles vulgares atritos susceptíveis de criar cenários ou relacionamentos menos claros com as pessoas, Maria Elvira superava-os, voando muito mais alto, mostrando o seu distanciamento com a maior discrição, mas também com o seu grande carácter de mulher sensível, sem nunca deixar de manifestar a sua peremptória personalidade. A sua presença era, simultaneamente, a distinção de mãos dadas com a afabilidade. Renegava a idolatria. Não sei o que seria, mas não seria eu, nem nada de melhor. Se hoje me sinto realizado com aquilo que pretendi fazer nesta viagem pela existência a ela e só a ela o devo.»

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

JURAMENTO DE HIPÓCRATES

Dando seguimento às palavras de ontem sobre o Dr. Monteiro Baptista, publicamos hoje o texto de Fernando Vieira de Sá que faz parte (pp. 37-42) do livro Homenagem a Dr. Luís Manuel Monteiro Baptista - Dos seus amigos e admiradores, oferecido por ocasião do seu 75º aniversário, no dia 3 de Fevereiro de 2001. Reproduzimos ainda o retrato que João Abel Manta realizou para a circunstância daquele aniversário e que abre o referido livro de homenagem.

«João Abel Manta; retrato original do Dr. Monteiro Baptista, realizado para a circunstância do seu 75.º aniversário»

«Não sei se alguma vez - ou, pelo menos, na Era Moderna - o Juramento de Hipócrates constituiu (ou constitui) norma de acto público obrigatório para que o candidato ao exercício profissional da medicina a pratique de pleno direito, empenhando a sua honra, probidade, consciência e outros meritórios atributos; ou se, pelo contrário, tais requisitos não passam de uma alegoria para -não obstante o cerimonial normativo não fazer presença física - chamar, mesmo assim, a atenção à implícita obrigatoriedade de cumprir as prerrogativas para as quais o mesmo faz apelo.

Para mim, as duas hipóteses têm o mesmo valor:

uma, é espectáculo; a outra é um estado de espírito.

A primeira, amplamente desacreditada; a segunda, expressa pela evidência - a prática em si mesma, o que significa que nenhuma delas se torna necessária, já que a consciência, a honra, a probidade, etc., etc., não surgem nem se alteram na sua génese por simples jura, pois que, se não houver a dita consciência, a dita honra, a dita probidade à partida - intrinsecamente existentes nos cromossomas - jamais existirão depois. E o espectáculo muito menos o consegue.

Veja-se, por exemplo, as múltiplas vezes a que se assiste nos écrans da TV a juramentos de honra com a mão solenemente espalmada sobre a Bíblia, sobre o Corão, sobre qualquer Constituição de Estado, ou até contra o peito em gesto de entrega dadivosa dos mais nobres sentimentos que trespassam o coração e a mente, e aí, logo aí, já os actores se estão traindo sem pejo, mesmo sabendo que todos sabem do perjúrio. E quem o faz? Não é nenhum anónimo cidadão. Não, são altos dignitários que até se julgam donos do Mundo e juízes em causa alheia.

Apesar de tudo, não se pode jamais ignorar o Juramento de Hipócrates como ponto de referência, não só para médicos, como para todos aqueles a que muita da doutrina nele contida é aplicável na conduta do Homem perante a Sociedade e a sua própria consciência.

Mas, quem foi Hipócrates? Cognominado «O Grande» por Platão, "O Divino" por Apolónio, "O Admirável Criador da Beleza" por Galeno, Hipócrates foi o primeiro construtor e arquitecto da medicina como ciência e como prática, segundo o pensamento racionalista. Mas, também foi um humanista de grande vulto, um observador atento da natureza humana, um "viandante colhendo experiência e sabedoria", um investigador sobre as causas próximas e remotas dos males expressos por sinais discrásicos do corpo, relacionando-os com o ambiente e os elementos exteriores, o que significa dizer ter descoberto a "Ciência do diagnóstico", ou seja, a arte, a intuição, a inteligência e a mais importante e difícil de toda a prática da medicina, pois sem um diagnóstico seguro, a cura é aleatória e, se errado ou tardio for feito, poderá ser fatal e a medicação será sempre sintomatológica.

Este intróito, por descabido que pareça, pois dá a impressão de querer "ensinar o padre-nosso ao vigário" é, no entanto, essencial para poder caracterizar Monteiro Baptista, com mais correcto abrangimento e precisa dimensão, colocando-o na órbita de um seu predecessor, não por juramento, mas por sua própria essência. Este procedimento por ser eu a adoptá-lo pode não merecer o crédito de muitos críticos. Contudo, tenho a convicção que dificilmente ele será contestado por toda a multitude de pacientes que Monteiro Baptista atendeu e tratou, muitos deles livrando de sofrimentos e sombrias - por raras ou complexas - patologias, algumas delas bem mais próximas da morte, do que da vida. Esses, sim, me apoiarão as vezes que forem precisas. Escuso de perguntar-lhes. Sei.

Terá Monteiro Baptista feito, ou apenas lido em voz baixa, o Juramento de Hipócrates? Não sei, nem isso é relevante. O que é importante afirmar sem receio de desmentido, é que no citado juramento, não há uma única ideia, uma única acção, um único conselho, uma única expressão humanística que Monteiro Baptista não tenha praticado, sem nisso ter empenhado toda a sua diligência, abnegação e espontaneidade que só a natureza íntima do seu carácter pode garantir sem recurso a qualquer jura.

Como tal, o histórico e paradigmático juramento que é, em última análise, uma peça de autêntica apelação à integridade moral, cívica, profissional e irrepreensibilidade de obediência aos códigos éticos que regulamentam as suas práticas, representam para Monteiro Baptista, sua categórica natureza de homem e cidadão, plasmada numa modéstia comovedora e reluzente de uma grandeza cristalina.

Em conclusão: Hipócrates "O Grande" ou "O Admirável", como foi chamado, foi o iniciador da prática científica da medicina e o descobridor da arma mais valiosa do seu exercício - o diagnóstico - como método de pesquisa e avaliação das causas remotas da doença; o humanista ao serviço da dor e da vida; e o renovador da mentalidade corrente do seu tempo, rejeitando as crenças e magias como meios de cura, criando e desenvolvendo o método científico e dialéctico, fundando assim as bases da medicina moderna. Pela mesma época Esculápio, chamado "o patrono da medicina" ainda se fazia acompanhar da serpente tida como zeladora da saúde, tal como hoje ainda se acendem velas aos santos pedindo curas ou agradecendo-as aos deuses, tendo passado, entretanto, 2500 anos.

A "decalage" no tempo que separa Hipócrates dos nossos dias, não permite comparações para além de meras consensualidades de princípios, lógicas e racionalismo que no diagnóstico atinge a sua maior marca, fundamentos que, por si só, justificam que se possa concluir:

SE HIPÓCRATES FOI "O GRANDE" MONTEIRO BAPTISTA

É O SEU VIVO E ACABADO EXEMPLO

Não quero terminar este depoimento que escrevi por constrangimento, criado pela ausência, de não manifestar exactamente como sinto este solene momento de consagração de um homem que, além de tudo, é um amigo, benesse que fiquei devendo ao 25 de Abril que nos aproximou e irmanou nos mesmos ideais e que, ao contrário de outras conquistas que a Revolução nos trouxe, esta foi irreversível.

Nesta sequência é imperativo da consciência alargar esta homenagem a outra figura que é parte integrante e conteúdo intangível da pessoa em foco, sobretudo levando em linha de conta de querermos festejar o seu septuagésimo quinto aniversário de nascimento. Refiro-me à Dra. Georgette Banet, sua mulher e também distinta médica.

Para além disso (agora em cenário de maior irmandade), Georgette é, em todos os vectores da sua personalidade, o prolongamento substantivo de Luís Manuel. E, neste contexto, gozar a delícia do convívio que sempre é oferecido no seu lar a todos os amigos que a ele se acolhem ao calor de uma hospitalidade sem rebuço, e uma camaradagem de fraterna comunhão de pensamento é um privilégio, e, desde logo, uma reconfortante paragem no tempo e um rejuvenescedor alento. E Georgette, na sua nata delicadeza feminina com fímbrias da "La Douce France", donde descende, é sem dúvida alguma a referência mais importante a considerar e enaltecer quando se palpita ao redor da vida do

Dr. Luís Manuel Monteiro Baptista

que abraço pelo grande dia 3 de Fevereiro de 2001

e ambos felicito.»

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

MONTEIRO BAPTISTA [Lisboa, 3-II-1926; Lisboa, 16-V-2007]

Faz hoje oito anos, um grupo de amigos e admiradores do Doutor Luís Manuel Monteiro Baptista festejava com alegria e fraternidade os seus 75 anos, reunindo num jantar a que não faltaram todos os ingredientes de uma festa de alto sentimento de admiração e gratidão que se transmudam em respeito e sincera expressão do muito que lhe ficaram devendo de dedicação pelos seus pacientes que logo se convertia em amizade respeitosa e sentimento de confiança quando o sentiam à cabeceira do leito, nem que fosse alta noite, deixando por vezes de sair de Lisboa no fim-de-semana quando o estado de algum doente o preocupava, podendo necessitar de alguma urgência.

Não é fácil esquecer ou minimizar este grande vulto da medicina de tão altos sentimentos humanos com que honrou uma profissão que tanto enobrece quem assim a pratica, o que me inspirou a escrever o depoimento que fez parte de um volume com depoimentos de outras presenças nesse jantar.

Este apontamento tem por fim reavivar em todos nós a sua memória para que se mantenha forte a chama do seu exemplo e para que os vindouros também se possam enriquecer com tão altos exemplos.

Estou seguro que aqueles amigos, muitos deles colegas de profissão, participaram no jantar e traduziram o seu sentimento na mensagem fixada no livro de homenagem publicado e que todos guardam, estão sentindo também tudo quanto aqui se escreveu, o que me conforta. «Amigos do meu amigo, meus amigos são», assim diz o ditado. E assim sinto neste momento de saudade. A todos abraço no mesmo crer com que sentimos a vida, a existência, a paz universal.

Fernando Vieira de Sá

Lisboa, 3 de Fevereiro de 2009

domingo, 1 de fevereiro de 2009

A «NAU PORTUGAL»

A história da construção da Nau Portugal para a Exposição do Mundo Português [1940], sob projecto de Quirino da Fonseca, do desastre ocorrido no dia do bota-abaixo, presenciado por Fernando Vieira de Sá, Maria Elvira e um grupo de amigos, e do derradeiro golpe de misericórdia dado pelo ciclone de Fevereiro de 1941, é relatada nas pp. 138-145 do livro Cartas na Mesa - Recordando Bento de Jesus Caraça e a «Biblioteca Cosmos» e é, nas palavras do autor, «o fac-símile das enganosas políticas que têm levado Portugal ao último grau de desenvolvimento dos países da Europa e muitos outros.» Uma leitura, ou releitura, que se aconselha.