sábado, 20 de dezembro de 2008

BOAS FESTAS 2008-2009

Foto de Magaly Sala-Skup

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

VICTORIO SALA TOLO [BONANZA, 14/II/1892 - MONTREAL, 17/I/1983]

Acabámos de receber um texto muito comovente de Magaly Sala-Skup, filha de D. Victorio Sala, um grande amigo que Vieira de Sá conheceu no México e de quem nos fala em Viagem ao Correr da Pena (pp. 396 e ss.). Trata-se de alguém que foi um elemento essencial para a história do livro Lechería Tropical. Sem a sageza de D. Victorio Sala, o livro não teria sido editado (fora, entretanto, considerado «dispensável» pelas entidades portuguesas contactadas para a sua eventual edição no nosso país), não conheceria a extraordinária recepção em meios universitários da América Latina, nem aportaria a Cuba em formato de edição revolucionária.
Ilustramos o texto com fotografias da família Sala que a amabilidade de Magaly Sala-Skup também nos fez chegar.

Que belo testemunho este! Muito, muito obrigado, Magaly.

Victorio Sala Tolo nació el 14 de febrero de 1892 en Bonanza, un pueblo de los Pirineos, ubicado entre Cataluña, Aragón y Francia. Su sed de cambio y de justicia social se despertó desde muy joven. A los 15 años tuvo que salir de España por actividades anti-monárquicas! Profesor de formación, Victorio Sala dirigió durante muchos años una casa editorial en Barcelona, su ciudad de adopción, donde participó a la creación de sindicatos y partidos políticos de izquierda y luchó por la República, que defendió con toda su alma durante la Guerra Civil. Ocupó puestos de gran confianza en el Gobierno de Negrín, y jugó un notable papel en la lucha contra las fuerzas franquistas. Defendió Barcelona hasta el último momento, cuando tuvo que huir con sus hombres y la que fue su compañera de toda la vida, Antía Culebra.
Atravesó la frontera a pie, como tantos miles tuvieron que hacerlo, después de haber rechazado la oferta, por el puesto que ocupaba, de sacarlo de España en avión. Quiso compartir su destino con sus compañeros de lucha. Al llegar a Francia, lo aprehendieron los franceses y lo metieron a un campo de concentración en el Sur de Francia, cerca de Perpiñán, de donde logró escaparse gracias a la ayuda de campesinos franceses vecinos del campo. Embarcó hacia el exilio, a México, junto con Antía, en el barco Sinaya, nave que estuvo a punto de naufragar varias veces. En México, todos los refugiados españoles fueron recibidos con gran cariño y solidaridad, cosa que jamás olvidará, otorgándoles de inmediato la nacionalidad mexicana. Junto con varios otros intelectuales, fundó una casa editorial, Ediapasa, en México que fracasó cuando estalló la Segunda Guerra Mundial. A partir de ese momento, vivió el recorrido de tantos miles y miles de refugiados en el mundo, tratando de sobrevivir como fuera. Victorio se descubrió entonces talentos de cocinero (el que jamás había cocinado) y abrió un restaurante en la calle Melchor Ocampo del D.F.
Un restaurante que por la excelencia de su comida y por la estatura humana e intelectual de Victorio y Antía se volvió un lugar de encuentro de grandes intelectuales que soñaban de un mundo mejor. Entre ellos el pintor mexicano Gironella, la esposa del muralista Siqueiros que venía a buscar regularmente comida para llevarle a su esposo que en esos momentos se encontraba en la cárcel, el escritor Gabriel García Márquez quien leía a sus amigos partes de su Cien años de soledad y el veterinario portugués Fernando Vieira de Sá y su esposa Maria Elvira, con quienes se desarrolló una entrañable amistad.
Victorio Sala Tolo, fue conocido no sólo por su lucha y su cocina pero también por su gran integridad, honestidad, generosidad y respeto del ser humano.

[Magaly Sala-Skup, 19-XII-2008]

sábado, 13 de dezembro de 2008

A «BATALHA DE INGLATERRA»


Maria Elvira e Fernando Vieira de Sá
Londres, Trafalgar Square, 13-XII-1942, faz hoje precisamente 66 anos.
Foto de Fernando Pessa

«A nossa "Batalha de Inglaterra", foi ganha sem lugar a dúvidas. Todos os objectivos foram conquistados. A vitória foi nossa e só nossa. (...) Foi, na realidade, dir-se-ia, uma guerra de trincheiras, acochados atrás do perigo, cavando diariamente a lura que nos levaria a cumprir a estratégia deliberadamente planeada para a posse dos direitos que também nos pertenciam (...).»

F. Vieira de Sá, Viagem ao Correr da Pena, cit., p. 43.
Sobre a experiência a dois, em plena II Guerra Mundial, em Inglaterra ver Viagem ao Correr da Pena, nomeadamente o «Prefácio de Coisa Nenhuma», p. 15 e ss. Na p.43 há uma fotografia, no mesmo local e na mesma data, onde estão outros amigos, entre os quais Fernando Pessa.

sábado, 6 de dezembro de 2008

CONFISSÃO E CONFIDÊNCIA

O meu livro Autópsia a Um Departamento Científico do Estado - Livro Branco do Departamento de Tecnologia das Indústrias Alimentares, dedicado aos trabalhadores do Estado não foi bem olhado, se é que os dirigentes de qualquer grau conhecedores, lho mostraram, potenciando as angústias que se soltam nas avenidas, exigindo os seus mais intrínsecos direitos. Às vezes falta qualquer coisa, quiçá convicção, para que se leve os afectados e responsáveis a esquadrinhar as razões (autópsia) das dores das maleitas, mais do que o boiar à tona da água. Eu sei que os tempos são de recessão e o dinheiro não dá para tudo, e é preciso criar prioridades, como sejam bandeiras e cartazes, essas coisas que se colam nas paredes, que se lêem depressa e não se fale mais nisso... missão cumprida. No entanto, não está fora de questão a necessidade de Estudar (com letra grande) as profundezas dos problemas, e que não se pense que tais estudos são só para os caturras desprovidos de sentido reivindicativo, mas também - e sobretudo - para os porta-bandeira e «figuras de proa», qual caravela seiscentista, com as velas ao léu para que todos as vejam e cumprimentem.
Não quero de modo algum impingir o livro a quem quer que seja, e nunca me atreveria a publicá-lo sem ter uma opinião sobre o seu interesse, o que me foi brindado com generosas palavras pela pena de um destacado parlamentar e militante sindicalista, fazendo, inclusivamente, a apresentação do trabalho que pode ser lida neste blogue e que tem todo o meu reconhecimento. O livro expressa uma ampla experiência de 20 anos discutida em todos os aspectos do topo à base da hierarquia. Alguém já fez igual? Seria de pensar antes de arquivar. Somos o que somos, mas é preciso ser-se mais. Sem ler e investigar não se vai lá.
Eu tenho pensado muito neste fenómeno (este mesmo da autópsia) procurando razões lógicas para a enigmática defecção observada de um bater de porta.
Alea jacta est - os dados estão lançados. Por erro pus sempre o álibi do lado dos destinatários e presumíveis motores das respectivas organizações, absolvendo o autor (eu) da indiferença dos responsáveis e aderentes do sector a quem o livro foi dedicado, não esquecendo o seu anúncio na Internet. O pensar é sempre um bom sistema de procurar a verdade. Pensar é investir. De qualquer modo, um destes dias em que se acorda com o raciocínio mais despegado de convicções preconcebidas, veio-me de repente um arejo de racionalidade, caindo instantaneamente de borco numa interpretação do fenómeno que aqui estou comentando. Outra verdade.
ESTA A CONFISSÃO. AGORA A CONFIDÊNCIA
A confidência só se lê na Internet quando se quer ler o que lá se procura, o que dá proveito, o que se quer encontrar, daí a segurança da confidencialidade da seguinte declaração que fica aqui só entre amigos interessados na consulta deste blogue. Pensemos: aqui para nós, os da «velha guarda», o verdadeiro culpado deste desinteresse aparente ou real por parte dos sindicalistas, sindicalizados e funcionários públicos a quem dediquei o trabalho, mas que até hoje, parece, não souberam do caso por falta de consulta da Internet. O responsável, repito, fui eu. Com todas as letras: EU.
Cá vai: a minha falta de psicologia da comunicação verbal e escrita ao escolher como título para o livro a prosaica palavra «autópsia», escrita sobre um fundo de linhas esfumadas num cinzento de luto aliviado, foi fatal. Metia-se pelos olhos dentro. Mas, não aconteceu. Tudo foi como se nada se tivesse passado. As consciências esqueceram e estão com Deus misericordioso, que tudo desculpa. Eu não queria acreditar, quando esgotados os pressupostos, aconteceu abrir-se o escaninho da caixa craniana e, num golpe de asa, surgiu num momento desfocado fora de horas, filosofando sobre tantas que nos alimentam a vida e nos ensinam, embora nem todas confortáveis ao espírito.
Na verdade não lembra a ninguém metaforizar com palavra de tão mau gosto (autópsia) e, ainda por cima, dirigida a uma população martirizada e supersticiosa por tanto desabamento de infortúnios que vêm caindo sobre os seus salários e garantias usando a tal palavra demoníaca.
Dêem-se as voltas que se quiser. Autópsia, seja ela ao Papa, a um camaleão ou a um Serviço Público, cheira sempre a morgue, a cadáver, a mesa de dissecação anatómica, a tripas ao léu, a mau cheiro. O título certo, apelativo, que deveria ter sido sugerido por uma empresa especializada em marketing seria (ou é) qualquer ideia que se abra à vida, que seja futuro, amor. Por exemplo, Afrodite...


OS SEGREDOS DE AFRODITE
SONHOS E PESADELOS DA FUNÇÃO PÚBLICA
Título e subtítulo sugerem, logo em primeira análise, a dupla noção de Beleza da Verdade Nua e Crua e Amor ao Trabalho, muito pouco reconhecido. Querendo ir mais longe com palavras derivadas, encontrar-se-ão decerto outros estímulos que não são para desperdiçar. Afrodi é a raiz.

Ilustração de A. Calbet

Ilustrando, esta imagem sexy enchendo a capa com a gravura da deusa grega do Amor, Afrodite, fazendo por si só passar a mensagem escaldante de um alto espírito de verdade, que só se cumpre com o amor puro de uma deusa da Antiguidade Grega.

Tudo isto fica aqui em segredo. Não desejo interromper outros silêncios, esses por carência de fair play.

Fernando Vieira de Sá
Lisboa, 6 de Dezembro de 2008

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

O REINO DA ESTUPIDEZ - II

Como complemento dos textos anteriores, sobre as PME, reproduzimos o texto, também da lavra de Fernando Vieira de Sá, inserto na contracapa do livro O Reino da Estupidez nos Caminhos da Fome - Memória de tempos difíceis, cit.
«Trazer para a ribalta editorial o acérvulo que preenche a terceira parte deste livro [Memória (textos de imprensa, 1946-89)] - por cuja importância e valor só os factos respondem e as consciências ponderam - significa o dever do avivar dessa memória para a confrontar com as realidades entretanto ocorridas em Portugal e no Mundo no campo das ideias, das ideologias e das instituições, com um duplo fim: contrariar a tendência instalada de esquecer ou deturpar factos de interesse crucial para a compreensão do panorama actual; procurar uma racionalidade de sinal positivo ou denúncia de conduta perversa para aquela resposta tão almejada e cada vez mais tão distante quanto urgente.
O fio condutor desta trajectória é a complexa Indústria Alimentar, cuja génesis mergulha na agricultura e o terminus na distribuição dos produtos e, por extensão, na fome, meta até agora desprezível nos sistemas que a provocam e ignoram, mas dela se nutrem.
É à volta de tão abrangente e sinuoso itinerário que as questões de ordem científica, técnica, económica, política e social são abordadas e discutidas, tendo por mote os alimentos e paradigma as PME, vítimas dos modelos macroeconómicos em vigor, embora a retórica oficial lhes cante hosanas. Destes aspectos se ocupam as primeira [Alienações e desvios no estabelecimento de estruturas de desenvolvimento na produção agro-alimentar] e segunda [Reflexões políticas para a compreensão de certos aspectos económicos e sociais da actualidade] partes do livro, funcionando os Apêndices [I. Indústria leiteira e administração pombalina; II. O mirabolante sonho do Rei Formiga. Uma fábula] como ilustrações, a "água-forte", de cenários avulsos da cultura e estadismo lusitanos.»

O REINO DA ESTUPIDEZ - I

A referência, no texto anterior, ao livro O Reino da Estupidez nos Caminhos da Fome - Memória de tempos difíceis, Edições Cosmos, 1996, fez-nos recordar o início de uma grande Amizade que estabelecemos, então como editor daquela importante chancela editorial, com Fernando Vieira de Sá e trouxe-nos também à memória as circunstâncias que rodearam a decisão de publicar o Prefácio de Eduardo Moradas Ferreira, entretanto falecido. Por isso, e em jeito de homenagem ao prefaciador, aqui deixamos aquele «Prefácio inacabado», antecedido da nota editorial de FVS.


«A súbita morte do querido amigo Moradas Ferreira deixou inconclusivo o prefácio que ele me havia prometido escrever para este livro, acerca do qual conhecia toda a sua arquitectura, pensamentos e objectivos, questões que, tal como a mim, o interessavam e constituíam muitas das suas preocupações humanísticas. Por isso ele se devotou com todo o seu habitual empenho a tão generosa e fraterna tarefa, logo que acordada ficou a gratificante colaboração, consubstanciada num aval de incontestável autoridade a um autor e a um texto, ambos tão carecidos de notoriedade e tão despojados de aliciadoras expectativas.
Foi a generosidade e grande amizade da Lídia, sua companheira de toda a vida, que descobrindo, entre os papéis avulsos sobre a sua mesa de trabalho, umas páginas de rascunho do que viria a ser certamente o projecto do prefácio, teve a bondade de dispensá-las se acaso pudessem ser aproveitadas.
Lido o referido esquisso, considerei-o desde logo um admirável depoimento, totalmente integrado em toda a filosofia e objectivos do livro e, como tal, logo por mim emotivamente aceite como um belo peristilo a um conteúdo imerecedor de tanto lustre, que não poderei jamais subestimar toda a carga sentimental que lhe acrescento pelo facto de se tratar da última (ou das últimas, pelo menos) mensagem que Moradas Ferreira deixou a todos nós, da qual eu tive a bem-aventurança de ser o portador assumido. Se final ou mais requinte literário faltava ainda ao escrito, ele se mostra dispensável, porque dizer mais e melhor cairia em redundância ou apenas literatismo.
Neste sentido o prefácio inacabado foi aprovado também pelos editores. [F.V.d.S.]


Neste livro o Dr. Vieira de Sá apresenta uma panorâmica da sua actividade científica e profissional em que ele revela que, de acordo com a máxima de Pulido Valente, pensou sempre como homem de acção e agiu como homem de pensamento.
Dividiu a sua actividade entre o laboratório e o campo e assim percorreu todos os Continentes, estudando com visão científica e humana a produção de alimentos, particularmente nos países em desenvolvimento.
Os seus estudos e observações abarcam quase 60 anos de intensa actividade, quase toda a duração deste século, qualificado por Eric Hobshawm como The Age of Extremes, século que viu os homens subir aos cumes de desenvolvimento técnico e científico e simultaneamente cometer os mais bárbaros, repelentes e numerosos crimes da história da humanidade.
Um século curto que o já referido Hobshawm considera iniciado com a guerra de 1914 que após uma trégua termina em 1945, e que finda com o colapso dos países socialistas da Europa em 1991.
Estamos à entrada de um novo milénio, perplexos, num mundo de violência, de fome e exclusão social.
Perplexos e buscando com angústia as vias de sobrevivência. O Dr. Vieira de Sá, que nunca confundiu crescimento económico com desenvolvimento, foi sempre uma voz corajosa, inconformada e irreverente.
Nunca o seu encerramento no laboratório o fez esquecer a vida no exterior, com todas as injustiças e sofrimentos das pessoas concretas.
Amigo de Bento Caraça, sempre perfilhou a ideia de que a cultura integral do indivíduo continua a ser um problema fulcral para o seu envolvimento harmonioso.
Em 1933 Bento Caraça referindo-se à época que então se vivia, disse: "Época singular! em que podemos assistir às manifestações do mais alto poder criador e do mais persistente esforço de sistematização - Einstein e Broglio - e, paralelamente, à desorganização total da vida económica e à destruição deliberada precisamente daquilo de que a maioria carece".
Estas palavras continuam actuais, 60 anos decorridos, e o Dr. Vieira de Sá nunca as esqueceu ao longo da vida.
Se os trabalhos do Dr. Vieira de Sá, quer a nível de laboratório quer na sua aplicação prática, visaram sempre a melhoria qualitativa e quantitativa da produção agro-pecuária, nos seus escritos nunca esqueceu o carácter eminentemente social do seu trabalho. Nunca deixou de verberar os erros cometidos por ignorância e os mais graves por ganância, que têm conduzido ao absurdo do mundo actual - produção abundante, por vezes excessiva, de alimentos variados e de qualidade e fome e extremos de subnutrição nunca em tão grande escala sofridos pela humanidade.
Materialista convicto, Vieira de Sá nunca temeu confrontos, nunca recuou perante contratempos, nunca usou palavras tíbias ou menos claras. Sempre se manifestou desassombradamente e é surpreendente como não se nota uma quebra de entusiasmo ao analisarmos, agora em conjunto, os escritos desde a juventude até à actualidade. É uma verticalidade que nunca será de mais sublinhar.
A análise dos trabalhos publicados pelo Vieira de Sá ao longo de 50 anos mostra que o seu pensamento, embora sempre enriquecido por mais conhecimentos teóricos e uma maior experiência, sempre obedeceu a uma linha progressista de inspiração materialista (marxista). Sempre foi um pensamento de vanguarda, e, como tal, incómodo.
A história está a dar razão aos receios tantas vezes expressos nas críticas de Vieira de Sá. O ambiente não tem sido defendido, a natureza (na qual se inclui o homem) tem sido violentada e sacrificada e é cada vez mais geral a ideia que é indispensável suspender e alterar o curso actual do processo de crescimento/desenvolvimento.» [op. cit., pp. X-XII].