quinta-feira, 1 de maio de 2008

APRESENTAÇÃO DE EUGÉNIO ROSA

Regista-se aqui, com os agradecimentos do autor, o texto elaborado pelo economista Eugénio Rosa para apresentação do novo livro de F. Vieira de Sá, Autópsia a Um Departamento Científico do Estado - Livro Branco do Departamento de Tecnologia das Indústrias Alimentares:
BREVES PALAVRAS DE APRESENTAÇÃO
Num momento em que se procura culpabilizar os trabalhadores da Administração Pública de todas as deficiências de que ela enferma e, esta, dos males do País; numa altura em que os trabalhadores da função pública são acusados de «privilegiados» para os isolar dos outros trabalhadores, para assim atacar mais facilmente os seus direitos, o livro do Dr. Fernando Vieira de Sá, Autópsia a um Departamento Científico do Estado - Livro Branco do Departamento de Tecnologia das Indústrias Alimentares, de que foi director durante vários anos, tem uma actualidade muito grande. E isto por várias razões. Em primeiro lugar, porque, como o próprio autor refere, «não interessa que o Livro Branco seja deste ou daquele departamento. O que se passa aqui passa-se em todo o lado» da Administração Pública; portanto o caso do Departamento de Tecnologias das Indústrias Alimentares (DTIA) não é um caso isolado, mas um entre muitos, servindo apenas de exemplo. Em segundo lugar, porque o DTIA, apesar de se situar num sector fundamental para o País (recorde-se que, em 2007, Portugal gastou com a importação de produtos alimentares 313,9 milhões de euros e, com a importação de produtos agrícolas, 1 451 milhões de euros, e que 60% do que consome nesta área é já estrangeiro); repetindo, apesar do DTIA poder ter um papel importante na melhoria da qualidade e da competitividade da indústria alimentar portuguesa, o certo é que nunca existiu, como o livro do Dr. Vieira de Sá prova de uma forma clara e fundamentada, um verdadeiro apoio e um aproveitamento eficaz das capacidades e competências que existiam nesses Departamento para promover o desenvolvimento de um sector fundamental para o abastecimento do País, como são as indústrias alimentares, por parte quer do governo quer dos responsáveis do Instituto a que este departamento pertencia. Em terceiro lugar, apesar desta falta de apoio e de aproveitamento, verificou-se, por parte de quem dirigia o DTIA bem como de muitos dos seus trabalhadores altamente qualificados, um esforço, para não dizer mesmo uma luta contínua, para, por um lado, dotar o Departamento dos meios mínimos indispensáveis à realização da sua missão, que era de interesse nacional, e, por outro lado, para que o DTIA, mesmo com meios e apoios reduzidos, pudesse exercer a sua missão da melhor forma em prol do desenvolvimento das indústrias alimentares do País, cujos produtos, nomeadamente os tradicionais, definem também a nossa cultura. E quando depois de muitos anos de esforços e luta com esse objectivo, vêem que ele não foi atingido, sentem uma profunda amargura, principalmente por tudo aquilo que o País perdeu e continua a perder. A própria história das vicissitudes da entidade a que o DTIA pertencia mostra bem a forma como os diversos serviços da Administração Pública, mesmo os fundamentais para o desenvolvimento e modernização do País, têm sido tratados pelos sucessivos governos. Assim, o DTIA surge, embora ainda de uma forma embrionária e, enfrentado muitas resistências, no Instituto Nacional de Investigação Industrial (INII) criado em 1957 permanecendo aí até 1976, quando este Instituto é extinto. Em 1977, surge o Laboratório Nacional de Engenharia e Tecnologia Industrial (LNETI) que funciona até 1992 onde permanece o DTIA sendo, nessa altura, transformado no Instituto Nacional de Engenharia, Tecnologia e Inovação (INETI) que se mantém, na prática, até 2008 pois, em 2006, o governo de Sócrates aprovou o Decreto-Lei 208/2006, que extinguiu aquele Instituto tendo as suas atribuições sido repartidas por quatro entidades diferentes, a saber: as relativas aos domínios da energia e geologia integrados no Laboratório Nacional de Energia e Geologia, IP, uma entidade nova a criar; as atribuições relativas à metrologia integradas no Instituto Português da Qualidade, IP; as atribuições relativas às indústrias alimentares, portanto aquelas que caíam no âmbito do DTIA, integradas no Instituto Nacional de Recursos Biológicos do Ministério da Agricultura; e as no domínio das tecnologias de saúde relevantes no Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, IP, do Ministério da Saúde. No entanto, no fim de Março de 2008, a indefinição e, a consequente, paralisação dos serviços era grande porque, por um lado, essa repartição de atribuições ainda não se tinha concretizado e, por outro lado, os orçamentos dos Laboratórios do Estado continuavam por cumprir. E não é de afastar a hipótese que, daqui a poucos anos, tudo isto seja de novo baralhado e repartido, até tendo em conta a forma e a consistência como foram repartidas todas estas atribuições em que muitas vezes foram ignorados os objectivos verdadeiros e concretos como estavam ou deviam ser utilizadas. A leitura atenta do livro Autópsia a um Departamento Científico do Estado e, nomeadamente, do Livro Branco do Departamento de Tecnologia das Indústrias Alimentares, que é uma parte daquele, leva-nos ao interior da Administração Pública, ao esforço diário e tenaz da esmagadora maioria dos seus trabalhadores e de muitos dos seus responsáveis para que a qualidade dos serviços públicos melhore e para que eles sirvam de uma forma eficiente a população e o País, assim como os obstáculos, dificuldades, incompreensões, falta de apoio e de estímulo que continuamente enfrentam. Os pequenos poderes que existem muitas vezes no seio dos serviços públicos, materializado em muitas das chefias, em que a competência técnica e a dedicação ao serviço público não foi o critério fundamental da sua nomeação, e que a Lei 12-A/2008 (Lei de Vínculos, Carreiras e Remunerações) aprovada também pelo governo de Sócrates, veio dar mais poderes; repetindo, estes pequenos poderes muitas vezes funcionam como obstáculos importantes à prestação de um serviço público com qualidade que os portugueses e o País tanto necessitam. A leitura dos «Anais do DTIA», de periodicidade anual, assim como da «Folha Informativa do DTIA», de periodicidade mensal, publicados durante vários anos, por iniciativa do director do DTIA, que era também o principal redactor, e que é autor deste livro, dá-nos bem uma ideia viva e palpitante da realidade da Administração Pública por dentro e do esforço e luta dos seus trabalhadores. É por isso que terminamos esta apresentação como a iniciámos: a Autópsia a Um Departamento Científico do Estado – Livro Branco do DTIA é um livro actual que merece ser lido com atenção. Bem haja ao seu autor que, apesar de se ter aposentado, ainda é um exemplo de lucidez e combatividade na defesa dos serviços públicos e dos trabalhadores da Administração Pública, indispensáveis à população, nomeadamente as de mais baixos rendimentos, e ao desenvolvimento e modernização do País.
Eugénio Rosa,
[economista]

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