quinta-feira, 11 de junho de 2009

EM MEMÓRIA DE VASCO GONÇALVES, FALECIDO A 11 E SEPULTADO A 13 DE JUNHO DE 2005

(Foto de Fernando Vieira de Sá)
Dias que carregam consigo uma comoção que os anos não dissipam, Pelo contrário, à medida que o tempo passa a vida ensina dia-a-dia à sedimentação memoriável desses tempos ainda quase presentes na vida que nos envolve, leva-nos a sentir em cada um de nós, e a muitos milhares de portugueses, a perda de um dos maiores estadistas de larga visão progressista, de racionalidade histórica e sociológica que não hesitou, ao longo de quatro governos provisórios (II a V) a que presidiu (17 de Julho de 1974 a 8 de Agosto de 1975), levar a sério as nacionalizações da Banca de Valores e outras com etiqueta de urgência, pois é de todos sabido, velho e revelho, que todas as crises de base em valores bolsistas - as searas do capitalismo - geram no sistema afim onde se acantona toda a magia das ciências financeiras e ocultas, criando todas as manigâncias técnicas de acumulação oculta da riqueza, embora algumas possam ser ilegais, o que é convidativo, sendo o acto auto-supervisado, o mesmo é dizer, confiante no estratagema legalista implícito, podendo os seus ideólogos passearem-se pelas ruas, cumprimentados cavalheirescamente, ninguém apodando-os daquilo que são - salteadores de cofres em proveito próprio.
Neste painel de vivências que nos entraram portas adentro por todos os canais da TV quis Vasco Gonçalves, em tempo útil, evitar o panorama costumeiro apetecido, fazendo as nacionalizações da Banca, e não só. Aparentemente era o que os milhares e milhares de cidadãos pediam na rua com angústia: DIREITOS, não especificamente uma nacionalização fosse do que fosse, mas um acautelamento que pudesse pôr em segurança valores contra a pilhagem e fugas de capitais para o estrangeiro, tudo para evitar o que acabou por acontecer em catadupa com o golpe de mestre contra-revolucionário, perpetrado pelo ícone do socialismo lusitano (e outros), por ele próprio assumido com orgulho, tendo por consultor e homem-de-mão da CIA, já afeito ao desideratum, pois, por sua decisão, assassinou Salvador Allende, bombardeando o palácio presidencial do Chile, tendo o presidente sido eleito por eleições livres, o que não joga com qualquer defesa da democracia ameaçada, mas sim interesses espúrios, como aqui em Portugal. O agente em questão era Carlucci, ex-embaixador do EUA. Aqui em Portugal, a justificação do golpe foi a preocupação tida pelo ícone-astrólogo que profetizava que a revolução estava evoluindo para uma ditadura proletária e era urgentíssimo atalhar o mal pela raiz. A propósito: Berlusconi há dias também declarava que não admitiria no parlamento italiano deputados («gente», como se exprimiu) mal vestidos e a cheirar mal. Foi notícia na TV com gargalhada em todo o planeta - há sempre mais um!
Tudo aconteceu com a queda do governo de Vasco Gonçalves, iniciando-se assim outro ciclo, agora gizado para o saque que Vasco Gonçalves se empenhava em evitar. O resto, todos sabem o que sofreram na pele e continuam a sofrer. As nacionalizações de Vasco Gonçalves foram anuladas e substituídas por outras nacionalizações, estas pagas pelo cidadão para repor as quantias surripiadas dos cofres bancários que ficaram às moscas, E isto para evitar as falências, levando o país para o desastre inconfesso e ainda imaculado.
Paga o justo pelo pecador
Perante isto, o ícone-adivinho deve ter ficado orgulhoso pelo seu palpite, evitar a ditadura dos maltrapilhos e malcheirosos. Opções. Pergunta-se agora ao Bandarra moderno o que chama a isto que se está presenciando. Ilusionismo? Falperra? Democracia? Ciência? Drama?
Em tudo isto, só me admira a lata estanhada do ícone das ciências ocultas em aparecer à luz do dia; isto, se acaso ele próprio não estiver orgulhoso, É uma pergunta que fica no ar... há outras.
Não era, portanto, a nacionalização da Banca que também preocupa os berlusconistas, visto que agora é o governo, ele próprio, que nacionaliza a torto e a direito (chama ao Estado) e paga a conta dos roubos, a «dolorosa», só no esforço em pôr tampões (pensos higiénicos) contra a hemorragia de dinheiro, financiando, i. e., nacionalizando. Deduz-se assim que há nacionalizações e nacionalizações. Umas, para proteger da rapina as finanças pública, privada e aforros, para estancar na medida do possível os excessos da burla dos falcões em proveito próprio. Estas são as patrióticas. Outras, para repor o rapinanço inominável, instalado pela liberdade banqueira e democrática «quanto-basta». Tudo isto à conta do palpite do profeta e cartomante diplomado. O adivinho do palpite pode abrir banca na Feira da Ladra. Não era, portanto, a nacionalização em si que horrorizava os clássicos, Era, sim, de essas quantias irem servir o Povo e a Nação, o futuro de todos nós, E não os carteiristas de colarinho branco da nossa praça que se abotoaram com o que puderam, com a benção dos ícones assumidos e as escrupolosas sentinelas (Banco de Portugal) com a ajuda dos seus cruzados, derramando o dinheiro dos outros.
Ninguém foi preso
Com este fim, que é do conhecimento de todo o cidadão atónito, a figura de Vasco Gonçalves avoluma-se agigantadamente, Por isso foi incinerado seu nome, sua figura, seu tempo, ao ponto de, aquando da última celebração do 25 de Abril, haver programas televisivos em que o nome de Vasco Gonçalves nunca foi proferido... uma forma de fuzilamento da figura.
A sua virtuosidade sem mácula, tanto quanto a valores materiais como morais, tendo tido a humildade de por todos os meios de que podia dispor para manter a unidade dos militares de Abril, até ao ponto de, por vezes, passar por cima de algumas desconsiderações à sua pessoa, dizendo-me (em privado, modestamente), quando eu comentava o facto, que «Portugal e o espírito da Revolução estão acima da minha pessoa». Eu até podia citar nomes, e bem sonantes, mas se o fizesse não satisfazia a sua memória, mas tenho pena, até alguns declaradamente arrependidos com a mesma lata estanhada como se nada fosse... Caras de pau! Estou a vê-los.
Nestas palavras soltas sinto-me como se estivesse num serão em sua ou minha casa cavaqueando até às tantas, comentando com sincera vontade de tudo poder ser conseguido dentro dos parâmetros legais e justos. Portugal merecia. Para falperra, chega.
Anda cá abaixo ó Marquês... Socorro
O desaparecimento físico de Vasco Gonçalves foi sentido em todo o Portugal por todos aqueles que sonhavam numa Era de irmandade, de solidariedade, progresso. Lembrai o 1º de Maio do ano da Revolução. Quem nesse dia participou nunca mais se esquecerá e nunca mais irá assistir a um momento igual, que desfaz totalmente a ideia reaccionária de pensar que o povo não sabe de que lado está a honra, a verdade, o futuro da Nação. Isso sentiu-se, espelhou-se nos milhares de cidadãos que o acompanharam até à campa, na certeza que ficará na História e na memória de todos aqueles que acreditaram na sua imaculidade política e cívica.
Assim, o seu desaparecimento tem duas vertentes. Uma, física - a morte biológica; outra, a presença mental, sentimental, gratidão, que perdurará na História quando esta for escrita à distância dos factos.
Daqui cumprimento a minha querida Amiga Sra. D. Aida com o muito carinho que por ela sinto, bem como em relação a seus filhos Maria João e Vítor, que sempre os integrei na mesma amizade e respeito. Tudo forjado em sentimentos que perduram enquanto por cá andarmos.
Fernando Vieira de Sá
Lisboa, 11 de Junho de 2009