quarta-feira, 20 de julho de 2011

terça-feira, 19 de julho de 2011

PATRICK FRANCIS KEATING

[Horta - Açores, 30-9-1915 / Porto, 11-7-2011]

Um grande veterinário que desaparece deste mundo aos 95 anos após uma vida profissional brilhante reconhecida fora de fronteiras de Portugal, o que é corrente neste país de sábios e distraídos. Ocorreu a sua morte no dia 11 deste mês de Julho, na cidade do Porto onde vivia, sendo eu informado por sua filha Maria José (Nina), mas logo também por Dra. Manuela Barbosa lembrando-me - por excesso de atenção - ser eu a única pessoa que poderia escrever o seu epitáfio, dado sermos quase da mesma idade. Manuela, por seu lado, além de ter sido amiga de Paddy, é Sócia Agregada da SPCV, e activa, por isso lembrando-se que por via das idades próximas e também a mesma especialidade profissional - Lactologia - só eu poderia encarregar-me desse comentário com rigor, a que eu logo me dispus tomando a tarefa honrosa, se bem que só a idade contou, e logo me lembrei basear-me num texto que escrevi a pedido da revista Holstein (nº 8), datada de 14 de Fevereiro de 1999, e que Paddy registou no seu currículo. Nada melhor poderia eu escrever que superasse o que então escrevi e que agora reproduzo pelo seu grande gesto e bondade me ter honrado ao ponto de incluir em apêndice o meu texto no seu currículo e que a já referida revista publicou.



REVISTA HOLSTEIN Nº 8

Personalidades no Mundo do Leite

Patrick Keating
por
Vieira de Sá

Chegava a Roma depois de umas curtas férias em Lisboa para passar a quadra natalícia e de me haver despedido do Patrick em Sta. Apolónia por regressar ao Porto dando termo a uma forçada deslocação à capital que eu lhe provocara por frustrada boa intenção.
No derradeiro adeus e já debruçado na janela da carruagem, gritava-me ele por entre a hirsuta bigodeira ruiva denunciadora da boa cepa irlandesa que lhe corre nas veias "Olha que eu só te perdoo se me arranjares um lugar na FAO".
Foi o eco dessas palavras que eu meti insensivelmente na minha bagagem e que ainda conservo na memória, quando, dias após, e uma vez mais, deixava Lisboa.
Em Roma, no Q.G. da FAO iniciava os preparativos de partida para a Líbia daí a 15 dias, recolhendo informações do país e desdobrando-me em contactos, na tentativa de que o mundo onde iria cumprir a minha missão me fosse o menos estranho possível.
Tudo corria sem sobressaltos, quando, aí pelo 3º ou 4º dia, o Hans Pedersen, meu chefe, e o mais genuíno dos viquingues, me perguntou: De Sá (assim me chamavam os colegas nórdicos), sabes de algum bom técnico em queijaria espanhol que queira ir para as Honduras? Não, respondi... mas por que é que tem de ser espanhol? Bem, é que nas Honduras fala-se espanhol.
Eu sei, retorqui, mas acho que se for português vem tudo a dar no mesmo e esse conheço. Tens a certeza? Absoluta, afirmei com aquela peremptoriedade que todo o "portuga" assume perante o linguajar cervantino para ele sem segredos.
És capaz de lhe escrever perguntando-lhe se quer aceitar o convite?
Não foi preciso mais nada. Dias depois, o Patrick desembarcava com a sua malinha de cartão no aeroporto de Ciampino, onde estava eu a dar-lhe as boas-vindas com dois abraços daqueles de fazerem gemer o cavername torácico que só resistiu dada a sólida compleição física de ambos.
E, cumpridos os necessários contactos e ajustes, hei-lo rumo às longínquas plagas do Novo Mundo, onde se iria iniciar como técnico internacional, sob o calor e as sensualidades tropicais, por mais de 20 anos recheados de brilhantismo e experiência que lhe valeram sempre a consideração e respeito nunca regateados pelos diversos governos que tiveram a boa sina de o terem como conselheiro e colaborador, assim como da própria FAO.
Patrick Keating foi, e ainda é o nosso primeiro lactologista. Mas para isso para chegar a esses cúmulos de conhecimento ele teve de emigrar, o que de resto acontece a quase todos os portugueses, que se prezam, desde o mais modesto oficinante ao mais destacado pensador.
É que Portugal prefere que lhe falem em "estrangeiro", pois assim não entendendo o que o sujeito lhe diz ou reclama, não tem que o aturar.
Nesta história coube-me a boa aventurança, de primeiro, a absolvição jure et facto, da malandrice que lhe fiz na melhor das intenções, segundo, o facto não menos relevante de ter a oportunidade de contribuir para desenterrar um vivo e bem vivo de um sepulcro onde o inconformista e desventurado Paddy esbracejava contra as mesquinhices e outras coisas terminadas em ices que neste arrabalde da Europa se costumam arremeter contra os que falam alto, fazendo-o com a costumeira inépcia e cobardice q.b.
Ao escrever estas linhas cursivas a propósito de uma inédita e simpática iniciativa da revista Holstein de vir lembrar aos novos algo da arqueologia veterinária, cuja idade dos seus fósseis já quase só é reconhecível pelo carbono 14, não posso pela minha parte deixar em olvido tantos outros qual "ala dos namorados", batendo-se cheios de idealismo (útópico) pela sua dama, nesta conjuntura, o LEITE.»


Foto retirada do meu livro Ecos do México - Da História e da Memória (Moinho de Papel, 2005) a propósito de uma visita a Tegucigalpa com o exclusivo propósito de uma visita ao Paddy para lhe dar um abraço, daqueles que fazem ranger as costelas, desta vez viajando com Maria Elvira vindos de Quito (Equador). Lê-se na legenda: «À frente da casa de Paddy, Tegucigalpa, Honduras. Da esquerda para a direita: Maria Elvira, Bela e Paddy. À frente: Maria José (Nina), filha do casal Keating.»

Neste passo falta agradecer ao meu amigo Guerra, editor do meu blogue, já o sendo dos meus livros de memórias, que ele criou só a preço de amizade, em que se esmera e por isso não faltam elogios sobre a sua apresentação, revelando o seu talento como editor de letras, sejam em papel, sejam na blogosfera.


Fernando Vieira de Sá


Nota de rodapé
- Eu e Paddy tínhamos o mesmo tipo de humor e não foram poucas as vezes em que nos divertimos a criar a confusão em circunstâncias cerimoniosas.
E com todas estas recordações como é que não havia de me sentir abalado até ao âmago da alma?