sábado, 26 de junho de 2010

EXÉQUIAS NO FUNERAL DE JOSÉ SARAMAGO - HÁ QUEM FAÇA POR ESQUECER

José Saramago, in O Grande Livro do Portugueses, Circulo de Leitores, 1991

Por mor da Revolução de 25 de Abril de 1974 o Prémio Nobel da Literatura veio para Portugal pela excelsa pena de José Saramago, linha de partida para a liberdade de expressão que, no caso presente, veio a concretizar-se em 1980 com a publicação do romance Levantados do Chão, numa edição de 3200 exemplares. Se não fosse a Revolução, seguramente não estaríamos agora a despedirmo-nos de um dos maiores escritores a nível mundial nestas exéquias assistidas por uma multidão que corre todos os estratos da cultura e povo. Se acreditasse em milagres teria agora uma boa oportunidade para atribuir a um milagre os factos a que me refiro. Pelo contrário, e sem milagre, já na mole das personalidades da cultura, dos governos representados, estrangeiros e Portugal, e da declaração de Luto Nacional, avulta-se sem dar cavaco a ausência do primeiro representante da Nação - o Presidente da República -, originando uma fífia inadmissível e nada diplomática, mas reles na fala do povo, que tem todo o direito de exigir explicações. Tal rumor chegou ao destinatário que se obrigou a vir a terreno numa aparição nos ecrãs da TV, começando por explicar que a sua atitude oficial está bem expressa no regulamento dos deveres do PR, que foi seguido à letra, alínea por alínea, onde se aponta o que é dever oficial, omitindo, se sim ou não, obriga à presença física. Estavam assim explicados os limites em que se move um Presidente burocrata, o que, decifrada a charada - e em conclusão - está-se perante um PR manga d'alpaca. E nada mais refulgia no seu retesado semblante de austero administrador dos cartapácios de administração dos deveres implícitos do cargo. É caso para dizer: «Pior a emenda do que o soneto».
Em termos de aparte: um cumpridor deste quilate deve dormir como um prego. Nada lhe pesa na consciência que, aliás, não tem ou, pelo menos, não exibe, como se lê.

Deixando agora este imbróglio e tratando-o por outro prisma mais abrangente e incisivo, recordemos: remexendo a minha velha memória topo com uma história verídica passada no ano de 1949, já eu tinha 35 anos, daí que já me permitia dar peso a certas histórias vividas, uma delas parelha desta que nos ocupou atrás.
Assim: passava, como já disse, o ano de 1949, em pleno regime salazarista de escola fascista e nazista, abençoado pelos americanos que, derrotando Hitler e Mussolini, deixaram Salazar como plataforma avançada (ao tempo uma espécie de Israel em formato católico) para as suas ambições de poderio político e económico, esquecendo os valores pelos quais lutou e que agora usa em seu proveito e que Salazar agradece.
Acontece que nesse ano de 1949, em pleno regime salazarista acalentado pelos EUA, Egas Moniz (EM) recebe o Prémio Nobel da Medicina. Nessa contingência a Oposição ao regime, que tinha a adesão de EM, pretendeu fazer uma recepção oficial e popular que o regime proibiu. Perante esse abuso de autoridade, resolveu a Oposição pedir autorização (obrigatória) ao Governo Civil de Aveiro pela circunstância de EM ser residente em Avanca, naquele distrito, para essa recepção que, tal como sucedeu em Lisboa, também foi recusada. Não se ficando por aqui, a Comissão fala com Egas Moniz para pedir autorização e aquiescência para fazer a recepção em sua casa, se tal fosse autorizado por ele próprio. Egas Moniz agradece e autoriza, o que foi concretizado por um grupo de seis ou sete representantes de vários quadrantes sociais. Dessa comissão eu fazia parte, por isso estou aqui a informar de algo que me passou pelas mãos.

Analisando estes dois acontecimentos ao redor do mesmo facto, dois Nobel, um de Medicina, outro de Literatura, os únicos que vieram para Portugal, verifica-se a mesma atitude negativa, sendo uma em pleno Salazarismo e outra em Democracia, servida por entidades que, não sendo fascistas (salazaristas), a verdade é que imitam muito bem, e a prova está à vista, ninguém nega: DOIS NÃOS e o mesmo conteúdo e finalidade. Azares. Há amores difíceis de ocultar.

Fernando Vieira de Sá
Lisboa, Junho de 2010