domingo, 31 de janeiro de 2010

O HAITI E A DEMOCRACIA SERVIDA AOS POVOS

O terrível desastre ocorrido no Haiti, e que emocionou o Mundo, teve o condão de chamar a atenção para um dos países mais pobres do planeta, ignorado pela macrosociedade das democracias e democratas convictos, não obstante, segundo os arautos das fontes da informação pública, ser confrangedor o seu nível de miséria em toda a expressão da palavra, tomando o facto como uma peculiaridade histórica e sociológica, por se tratar de um país fundado por camponeses, analfabetos e escravos, vindos de outro continente e que se viram com um país nas mãos. O Haiti, único país de escravos das Américas, cresceu sem tutela, ou não cresceu. Estas afirmações fá-las, por exemplo, o jornalista Ferreira Fernandes na sua crónica «Um ponto é tudo» do Diário de Notícias de 14-I-2010. Talvez este passado leve a não considerar exigíveis aqueles direitos humanos que as tais democracias em voga apregoam, e que tanto preocupam o governo americano em relação a Cuba, vizinha do Haiti, ao ponto de manter o bloqueio económico à ilha há dezenas de anos, querendo com isso forçar o governo cubano a desistir do seu programa de desenvolvimento económico, cultural, independência, bem-estar e direitos, o que a democracia norte-americana combate em prol dos seus próprios intentos, de tomar por colónias todos os países da América Latina.
***
Vem a propósito recordar um episódio passado comigo, quando uma vez, visitando uma importante fábrica de aparelhagem para a indústria leiteira no Estado de Nova Iorque, E sendo recebido pela Direcção com algum requinte cerimonioso face a um eventual cliente, ainda por cima sendo eu técnico da FAO, um dos directores, pensando ser-me simpático por eu ser português, manifestava a sua admiração por Salazar por sensatamente não admitir que as Colónias portuguesas tivessem políticas próprias e se afastassem das directivas da Metrópole. - Ora nós, americanos - prossegue convicto - tomamos os países da América Latina como sendo as nossas colónias naturais e, não obstante, o governo aqui dá-se ao luxo de permitir que cada um desses países faça o que lhe apetece, como se fossem países «de facto». E dava como exemplo a então recente questão do Paraguai, grande produtor e exportador de carne de bovinos, ter rompido um Tratado Comercial de exclusividade de venda aos Estados Unidos, passando a fornecer carne à Grã-Bretanha a preços muito mais vantajosos, o que exasperou a opinião pública americana, por essa debilidade governativa, não usando o governo americano as represálias adequadas ao caso.
É esta a vox populi ou, com mais fé, a vox Dei, que todo o americano exalta e abençoa.

***

O Haiti, onde os direitos humanos não se exercem, onde a governação anda pela rua da amargura ou não existe, onde tudo falta e nada funciona, ao invés de Cuba, jamais preocupando os Estados Unidos, jamais tendo sido o governo haitiano censurado ou reprimido por faltas de respeito aos direitos do seu povo, leva a admitir-se que se está perante um modelo Made in Haiti para uso do ianque postado ao norte do continente, de tal modo personalizado que Hillary Clinton foi pressurosamente visitar o Presidente René Préval, levando-lhe o calor da fraternidade dos americanos nessa hora de desastre e dor, deixando-se fotografar com a dita personalidade, como se se tratasse de um herói, de um modelo, de um exemplo de grande condutor do povo e não um moleque de maus fígados, mas ao gosto ianque, cujas preocupações caem todas em catadupa e ignominiosamente sobre Cuba só por ser um exemplo a combater com todos os meios e arbitrariedade de acção para evitar a expansão de comportamentos fatídicos para a mentalidade colonialista-expansionista no Olhar sobre a América Latina, enquanto o mundo democrático se agacha preconceituosamente e deixa andar.
É esta a moral do dólar, que não está só. Outras moedas há. Daí a segurança em René Préval, Presidente do Haiti, que desta vez apenas foi incomodado pela força da Natureza. Não teria sido isto um milagre de Deus, já que tantos milagres se registaram com vidas retiradas dos escombros ao fim de mais de uma dúzia de dias? Não foi talvez por acaso - valha-o Deus! - que o epicentro do terramoto foi por baixo do trono presidencial? Deus não dorme, dizem os crentes. Será? Não terá sido um aviso aos políticos e à política vigente que se ocupa dos direitos humanos, devendo defendê-los? Desta vez, para René Préval, foi só um susto!
Pede-se opiniões. Da discussão nasce a luz. O assunto é grave, merece a atenção do mundo e de cada um de nós. O diagnóstico não terá de ser sintomático, mas da causa profunda que leva ao efeito.

Fernando Vieira de Sá

Lisboa, 15 de Janeiro de 2010

sábado, 16 de janeiro de 2010

ATRASOS DE VIDA

ESPECIALIDADE DA COZINHA POLÍTICA DA GOVERNAÇÃO PORTUGUESA, COM PALMINHAS PARA INAUGURAÇÕES, VELAS DE ANIVERSÁRIO E EMPOLGANTES ORATÓRIAS.
Com uma nota de fim de página, que abaixo reproduzo, do meu livro Autópsia a um Departamento Científico do Estado - Livro Branco do Departamento de Tecnologia das Indústrias Alimentares (2008), recordo hoje (2010) a poética dor do desalento de assistir à derrocada do alimentado sonho de contribuir para o progresso do país, tantas vezes afrontado, tantas vezes demolido e, neste caso, com foros de terrorismo, dispensando os clássicos, bastando-nos os domésticos que não pecam por eficiência em artes de circo e ilusionismo, cujas provas estão à vista de todos os que queiram ver.
O plano do DTIA - Departamento de Tecnologia das Indústrias Alimentares está feito em estilhas, o que corresponde a dezenas de anos de retrocesso, para recomeçar qualquer coisa que não se sabe, sem metas conhecidas, sem estudo, sem conteúdo, ou simplesmente esquecer. Pura tontaria. Não se conhecem projectos... logo se vê. Assim é a vida nacional. A alta finança agradece.
Feita esta justificação, aqui se dá conta das transcrições, para relembrar e meditar:
1º - Nota de fim de página:
«[Nota hodierna - Aqui se poetiza o desalento trazido pela História Contemporânea ao qual as estruturas laborais são sensíveis e reflexo. Outras há chamadas «bolsa de valores» navegando no espaço cibernético. Não precisam de operários nem agricultores, nem laboratórios, apenas correctores. Essas ignoram o equilíbrio social e o boletim meteorológico].»
2º - O carpido do vate:
«E agora, outro ponto final
Que horas lentas
São essas que se vivem
E não são nossas
Nem têm ideal?!
Que horas são essas
Que não são nossas
E nos arrastam
- Sem sermos nós a decretá-las -
Procurando o nada
E do nada fazer
O que não queremos ser?!
Que sonhos sonhamos
Nesta praia sem mar
Com barcos varados no areal
Com os olhos fenícios pintados na proa
A julgar o eco dos séculos
Chorando o silêncio da catedral da noite?!
E os remos por ali atirados
Prostrados
Sem os braços
que partiram para outra campanha
Com rota marcada
No mapa da esperança.
Anónimo»
Aqui está em forma poética o libreto de ópera bufa em palco de genuína portugalidade, onde os tenores e os contraltos afinam a voz.
Fernando Vieira de Sá
Lisboa, 15 de Janeiro de 2010