domingo, 10 de outubro de 2010

CASO INÉDITO NAS LETRAS PORTUGUESAS


Inédito porquê?

- Por se tratar de uma pequena edição, sendo também do autor a capa, os desenhos e a própria edição, como se lê no livro («capa, desenhos e edição do autor»);
- Porque, apesar da singeleza do caso, o livro foi imediatamente apreendido pela PIDE;
- Por o autor contar apenas 15 anos de idade, frequentando ao tempo o 5º ano do Liceu, em Aveiro, sendo brilhante nas Letras e nulo nas Ciências;
- Por a temática trabalhada na obra exibir nomes e temas que exigem grandes conhecimentos literários, históricos e de certa filosofia com que impregna as ideias;
- Resume-se, ao que sei, a esta única publicação a sua promissora produção intelectual, o que não retira valor ao autor no presente; só exigiria estudo profundo, na área da Psicologia, sobre o que levou ao comportamento posterior do autor.

Contudo, trata-se de um caso que talvez não tenha paralelo na literatura portuguesa ou qualquer outra, sendo uma obra profunda, independente da idade do autor.
Melhor do que quaisquer palavras que possa escrever sobre o caso, julgo preferível transcrever a pequena nota escrita por meu pai, à mão, que encontrei junto ao exemplar que o autor lhe ofereceu, por ser seu amigo e dadas as relações entre ambas as famílias

«Fernando Moniz Lopes
filho de
Dr. Moreira Lopes
(médico)

O Autor deste livro de poesias, Fernando Moniz Lopes, tem apenas 16 anos de idade concluídos há poucos dias atrás, isto é; ainda com 15 anos conseguiu fazer obra de valor e profundo conhecimento das coisas e política deste Mundo, com conhecimento de toda a nossa literatura e literatura estrangeira. Fala e discute, como pessoa adulta.
Sendo profundo em literatura, detesta as ciências, pelo que no 5º ano dos liceus, reprovou na Secção de Ciências. E discutindo com professores, chega à conclusão que, muitos deles, são incompetentes debaixo dos dois pontos de vista: didáctico e cultural. É um fenómeno o rapazinho!
Este livro o "Novo Rumo" foi-me oferecido por ele, o Autor.
Lisboa 14/8/1966

Mário Vieira de Sá»

[Nota à margem: «Por motivo de política, foi o livro apreendido pela Pide (Polícia Internacional e Defesa do Estado).»]

Por absoluta impossibilidade de reproduzir a obra, E sendo quase criminosa a sua condenação ao silêncio de um sepulcro, que pelo menos se acrescente em jeito de homenagem, neste espaço, algumas das suas palavras repletas de erudição e humanismo, mas também para enriquecimento da memória e intelectualidade nacional.
Não menos positiva e sempre útil a crítica à governação salazarista, carrasca da inteligência. Tal como o grito franquista na Guerra Civil de Espanha, «¡Abajo la inteligencia! ¡Viva la muerte!», Salazar, por sua vez, mandou encerrar a Escola do Magistério Primário. Hoje fecham-se às dúzias as Escolas Primárias em todo o país e dificulta-se o acesso às sobreviventes, tudo isto mantendo-se o crónico analfabetismo com reflexos negativos no direito ao voto. Por isso, o Animal Político diz dormir tranquilo, não tendo medo das urnas de voto. É a democracia. Para mais, Portugal foi vítima de mais de cinco séculos de Inquisição (1239-1759), da qual ainda sofre prejuízos pelas metástases que afloram como cancros da flor da vida nacional.
Sendo assim, decidi, com a devida vénia ao autor, reproduzir a seguir a Introdução e a lista dos títulos dos poemas, cuja leitura bem pode espelhar a especificidade cultural da exígua presença na vida, mas de grande densidade de uma obra que o autor oferece nos 27 títulos, cuja lírica se confunde com os ecos de campanário que leva ao superlativo da dor, àqueles que, tal como hoje, se vêem expulsos de uma escola oficial por se ter oferecido instintivamente como mártir de uma governança vesga, autoritária, roubando oportunidades e participação na tarefa de valorização de uma pátria que teima em não querer ser manjedoura de multinacionais e passerelle de negócios fuscos, usando todos os truques que só os grandes economistas mais sábios estão à altura de governar o tal sistema sem alternativas! E temo-los com prática e sucesso confirmado. Falam as leis do negócio que se confirmam com todo o rigor na crise em desenvolvimento.

«Introdução

A arte não é a água estagnada dum lago, nem a pureza imaculada duma sagrada visão.
É o caminho da descoberta de nós próprios, da verdade e da beleza, é uma busca constante e real, a verificação do que é o mundo e a vida no equilíbrio duma visão tão exacta quanto possível. É um nunca abdicar de propósitos para conhecer a nossa condição de homens, e reagirmos em relação a ela como a uma causa verdadeira.
A obra de arte é a que se situa mais perto da razão e do homem: - quando o seu sentido é universal, quando ele se liga a problemas fundamentais e humanos. Não existe assim diferença entre o artista e o homem comum. Nada o separa dos outros senão a sua capacidade de transmissão. E se ele fosse na realidade diferente - como tantos afirmam - a sua mensagem seria inútil porque a não compreenderíamos, mesmo que o seu sentido fosse enorme em relação a esse mundo.
O artista é necessariamente o homem que procura definir e transpor as barreiras do nosso pensamento e que marcha rumo ao desconhecido, mas para o conhecer e o mostrar aos outros.
O homem é já em si a força que o conduz. E onde avaliar essa força tão bem como em nós próprios?
O homem é a concretização dum todo ilimitado.
Sentimo-nos por vezes enraivecidos por não poder ultrapassar o realizável. Mas a sua realização é mais do que uma forma de expressão: - é a demonstração da nossa ânsia de não nos limitarmos no espaço.
E é nesta teia aparente de contradições que o espírito do homem se desenvolve, esse espírito que gera o progresso e é ele próprio a reflexão mecânica do universo.
Não sinto, pois, medo nem vaidade na publicação deste pequeno volume. Faço-o porque obedeço a um facto natural de mim próprio e é um caminho aberto de comunicação com o homem.
Aveiro 24/3/66»

[títulos dos poemas: ADOLESCENTE; À LIBERDADE, ODE À PAZ; POETA; A ALBERT CAMUS; POEMA DA CHUVA E DO SILÊNCIO; ARTISTA; CONDESTÁVEL; D. DINIS; BARTOLOMEU (poema transcrito por mim em «Folha Informativa Mensal do DTIA» - Ano II, Abril de 1982 e em Autópsia a um Departamento Científico do Estado - Livro Branco do Departamento de Tecnologia das Indústrias Alimentares, p. 151); D. PEDRO V; DESGRAÇA; COMBOIO; FRANCISCO DE ASSIS; A MIGUEL TORGA; A GARCIA LORCA; O MENINO NEGRO; GUERREIRO; O NEGRO; A CRISTO; ARTISTA; QUANDO; DESCOBERTA; NOVO RUMO; AINDA; HOMEM; MENSAGEM (poema transcrito por mim, op. cit., p. 155)].

Neste ambiente, que vem de longe, começou e terminou no mesmo lance a carreira literária de Fernando Moniz Lopes. Perdeu-se um génio? O trauma infligido ao génio prematuro, levou a consequências negativas? Perdeu-se de tal modo que nunca mais tive notícia, nem da sua carreira, nem da sua própria existência. Dos seus pais nada mais soube também.
Fernando Moniz Lopes foi para Portugal e para a Cultura portuguesa uma estrela cadente que cortou o espaço, deixando um rasgo de luz que surpreendeu e que a minha memória recorda com extasiante admiração.

Fernando Vieira de Sá

terça-feira, 5 de outubro de 2010

PROFETAS DA NOSSA TERRA

(Monumento a Bandarra, «poeta, profeta e sapateiro» - Trancoso, Agosto de 2010)

Na sequência das minhas anteriores notas sob a epígrafe «MS/AP - Um Socialista às Direitas», onde se escreve sobre profetas e profecias, não resisto a voltar ao tema com mais algumas palavras que, pensando um pouco, não deixam de ter algum interesse, relacionando-os entre si e analisando o fenómeno, comparando convergências quanto às suas respectivas génesis, o que já pode suscitar alguma teoria sobre ocultismo, dando ciência ao fenómeno.
Pensando em profetas não deixo de recordar, só por gentileza, a memória de nosso profeta de estimação que foi Bandarra (Gonçalo Anes de seu nome, natural de Trancoso, 1500-1566) - Bandarra, alcunha: adivinho, profeta, etc. - fazendo profecias de largo espectro, o que facilita a coincidência, por vezes perseguido pelo Santo Ofício da Inquisição, por razões de concorrência na arte de exibir espectros e previsões, fazendo com que em condições de grande perturbação nacional muito alimentasse o Sebastinismo: D. Sebastião chegaria numa manhã de nevoeiro. Era a profecia - D. Sebastião, o Desejado. Profecia que acabou em mito.
Excluindo este caso, mais de índole popular que de seriedade histórica, ficam outros dois, que em épocas distantes de 150 anos entre si, mais ano menos ano, vêm ilustrar a História de Portugal e que tiveram em comum o facto ocorrido em tempos de crise profunda, ou seja, a identidade na sucessão no trono que se expressa no Sebastianismo, E presentemente os dois períodos em que o primeiro foi o da Guerra Civil pela luta da Coroa que tinha por fundo dois regimes políticos rivais protagonizados pelos dois irmãos, Pedro e Miguel; e o segundo é o caso exposto no meu anterior apontamento, intitulado MS/AP - Um Socialista às Direitas». Só nos falta agora dissecar o profeta já bem analisado por Oliveira Martins no seu livro Portugal Contemporâneo, donde retirei algumas notas, as quais, por sua vez, já retiradas e discutidas no I volume dos Opúsculos, de Alexandre Herculano, sob o título «A Voz do Profeta», preenchendo 83 páginas. A personagem é Palmela (Duque), de seu nome de família D. Pedro de Sousa Holstein. Aí, nessas volumosas análises à volta da situação política revolucionária em que Palmela toma apenas o compromisso de travar as ideias revolucionárias (o mesmo que fez MS/AP, mais tarde, no tempo do PREC) de Mousinho. O profeta constrói a profecia, sabotando o futuro sem escrúpulos de consciência, usando o travesti de «Animal Político (AP).
Quanto ao hodierno caso já nos ocupámos quantum satis. Passou à história como profeta vivo e não original. Nem por isso negou a regra: «o profeta constrói a profecia», Pelo menos, nestes casos, foi assim. O segredo chama-se «Animal Político», o que quer dizer «Troca-Tintas», falta de honestidade e moral.
De Mousinho, Oliveira Martins escreve: «No sistema das suas ideias não entrava por coisa alguma a tradição: nem histórica, nem religiosa, nem aristocrática. Era um absolutismo individualista.» (Portugal Contemporâneo, Tomo II, 6ª ed., 1925, p. 120). Algo se sobrepõe no actual adivinho; algo existe nos dois momentos históricos; um amarrado à tradição (Palmela), outro apostando na evolução (Mousinho).

Mas, nem tudo é fado. Eu gosto de assustar: «Oh papão, olha o menino!». Sendo assim também tenho direito. Pensem no papão...

Portugal, um dia, terá uma governação que governe para todos os portugueses [evolução] e não apenas para aqueles de sempre [tradição],

0 que não deixa de ser glorioso e sensato. De qualquer modo a esperança é a última a morrer... um dia virá. Veja-se: aguarde-se a próxima crise financeira recidiva. É por aí que a ruptura cientificamente acontecerá, sem troca-tintas, mas por colapso do sistema capitalista global - já esteve mais longe. Fala o Bandarra (!) de outra cultura. Falo sério.
Não sou AP, e isto que escrevo não é profecia, mas obediência à teoria da evolução do capitalismo universal que se regula pelas leis do fluxo fiduciário global. Não sendo banqueiro não sei se as minhas expressões de ciência financeira serão muito correctas. As minhas desculpas! Para bom entendedor, meia palavra basta.
É bom não esquecer que a presente crise está longe de ter terminado, verificando-se ainda sinais graves da sua presença - desemprego, falências, aumento de custo de toda a ordem em sectores de primeira necessidade. Ao mesmo tempo, são as manifestações de rua em todos os países, reunindo milhões de afectados. Tudo isto quer dizer que a próxima ruptura é já de gravíssima expressão. A fome é má conselheira.
E tudo isto sem profecia, mas uma constatação exposta por Karl Marx nos seus livros Crítica da Economia Política (1859) e O Capital (1867).


Tudo é sabido. Então??? Não me digam que é a vontade de Deus que comanda o Mundo. Não acredito. Não sou assim tão má língua!

Fernando Vieira de Sá