segunda-feira, 13 de setembro de 2010

MS/AP– UM SOCIALISTA ÀS DIREITAS

Num destes dias de calor em que as nossas vontades vagueiam molengonas agindo levadas por um a espécie de fatalismo, olhando para as estantes sem nada procurar, esbarro com um livro já ausente da minha memória há mais de vinte anos, cujo título me dizia algo que à data da sua aparição suscitava alguma curiosidade, já que se apresentava na área da política como um Borda d´Água, neste caso sem cartola, mas com barriga avantajada, para dar informação útil e orientação política nacional. Daí a sua utilidade para qualquer cidadão. O dito livro, melhor dizendo, é verdadeiramente uma bíblia à base de visões e interpretações sobrenaturais de que só seres predestinados são dotados, um deles MS. Nesta bíblia marianesca são aos molhos os palpites, umas vezes bastando-lhe uma pequena frase, outras um discurso, mas tudo com o sinete de garantia MS.
Quando as coisas são aceites com devoção profética que se converte em fé, daí para a frente tudo se torna mais fácil. Basta saber-se que ele disse

«REVOLUÇÃO? (...) "O movimento vitorioso de 25 de Abril não pode ser considerado como um putsch militar, mas sim como um levantamento nacional das Forças Armadas imediatamente secundado pelas massas populares, pelo que foram verdadeiramente as Forças Armadas e as forças democráticas - numa palavra: o Povo - que reconquistaram a liberdade." (PS, 5.74)

[Pedro Ramos de Almeida, Dicionário Político de Mário Soares, Caminho, 1985, p. 631]

em pleno PREC, quando as ruas e as praças se atulhavam de multidão apoiando os militares em agradecimento, dando-lhe a sua adesão ao movimento que unia todo o povo sem outra alegria e fervor que não fora a liberdade conquistada ao fim de uma caminhada pelo deserto (Estado Novo), não para aqueles de consciência pesada que nesse momento já faziam as malas à pressa, levando consigo os valores financeiros surripiados à sombra da plutocracia vigente comprometida e que o governo de então tudo fazia para evitar.
Foi precisamente por este detalhe que MS foi tocado pela asa do anjo da guarda, dando-lhe a luz profética que o avisava da perigosidade em curso, fazendo-lhe ouvir o toque de rebate exigindo intervenção, o que evitaria que o país caísse na anarquia da rua levando-o, soube-o ele por angélico aviso, para aquilo que «nem os militares nem os cidadãos queriam para o país». Assim actuou. E actuou pela graça do anjo, segredando-lhe ao ouvido. Era a Voz do Alto em favor dos seus boys e tranquilidade da burguesia acochada.
A tarefa, desde logo, era hercúlea, mas MS, sempre aconselhado pelo seu instinto de nigromante personalista, sempre impelido pelo seu raro instinto, conhecido na gíria por «Animal Político» (AP), talvez por os seus procedimentos pouco ou nada lícitos, meteu ombros à tarefa, invertendo o curso da história e da vontade do povo bem patente.

«"No meu entender não se trata, propriamente, de um 'golpe de Estado' no sentido técnico da palavra. Trata-se de um 'pronunciamento' unânime das Forças Armadas, em uníssono com as mais profundas aspirações do Povo português, e que é um facto muito mais transcendente e muito mais importante." (Entrevista a ATS, concedida a 29.4.74, S.º

[op. cit., p. 631]

Neste livro – Dicionário Político de Mário Soares, cit. – transcrevem-se em pormenor intervenções políticas por si registadas em diversas ocasiões, como foi o caso da intervenção das chancelarias e governos gringos como se pode ler na fonte donde se reproduz o texto. Só assim se acredita:

«1974: MS salienta a esperança que põe na mudança de embaixador dos Estados Unidos e na chegada de Carlucci, director-adjunto da CIA, como embaixador: "Penso - diz ele - que o sr. Scott, que não era diplomata de carreira e era um velho amigo do sr. Nixon, foi muito normalmente substituído por uma equipa que encontrei em Washington e que me pareceu estar animada das melhores intenções a nosso respeito." (Le Monde, 24.12.74).

«grandes serviços»
1988: No regresso da sua visita aos EUA, MS destaca várias reuniões, entre as quais o jantar que lhe foi oferecido em Washington por Frank Carlucci, presidente da SEARS. (D.º, 16.3.84).
- MS, no regresso da sua visita aos EUA, referiu aos jornalistas «os grandes serviços» prestados por F. Carlucci em 1975, em Portugal. (D.º, 16.3.84).»

[op. cit., pp. 81-82]

Vender a alma ao diabo só realmente um grande animal. Fora de dúvida a conspiração passa pela desbragada intervenção estrangeira para esmagar o que, de acordo com o aviso celeste transmitido pelo chamado palpite, que mais não foi do que o auto-achincalho da sua própria dignidade e inteligência perturbada em nome de ódios de estimação e outros alvos em mira, estes mais pessoais, tudo se jogando, incluso o patriotismo, levando a que forças estrangeiras matem portugueses se necessário for. Portugueses que se batem pelos seus genuínos valores e direitos, embora MS/AP tenha prometido que não seria como no Chile, coisa que ele não podia garantir.

«CHILE E CUBA

VIAS: CUBA NÃO, CHILE SIM?

1972: A questão das vias para a democracia e o socialismo não tem segredos para MS: "(...) a diferença entre as duas preconizadas pode ser exemplificada, grosso modo, por duas experiências fundamentais em curso na América Latina: Cuba e Chile. Não me parece que uma experiência como a de Cuba possa repetir-se, em países como Porugal ou como a Espanha. Mas ainda que a reputasse possível, não a supunha nem necessária nem sequer desejável para o País. Quanto a isso tenho uma posição que não permite o menor equívoco, por mais apreço que me mereçam alguns dirigentes cubanos, Fidel Castro, em particular. Pelo contrário, uma experiência do tipo chileno, respeitadas as idiossincrasias de cada país [fala do Chile de Allende, um ano antes de Pinochet], parece-me perfeitamente exequível". (MS, Portugal Amordaçado, pág. 722)

CUBA NÃO, CHILE NÃO?

1976: MS escreve: "Temos pois que nos unir, todos os portugueses conscientes, para evitar o Chile. Como evitámos Cuba". (PS, 14.1.76)

CHILE EM PORTUGAL?

1974: "(...) Não podemos deixar a possibilidade da contra-revolução a pesar sobre as nossas cabeças e permitir que o País se torne um novo Chile. Penso que devemos expurgar todas aquelas pessoas responsáveis pela morte de muitos dos nossos chefes políticos durante a ditadura. A menos que façamos algo nesse sentido, eles poderão levantar-se, arrebatar o poder e executar-nos como aconteceu no Chie". (Entrevista à Newsweek, cit. in DL, 26.5.74).

1976: "Para certos peritos comunistas, Allende deveu essencialmente o seu fracasso à liberdade de imprensa que ele teve a imprudência de consentir aos seus adversários. 'Aconselharam', pois, os camaradas portugueses a não repetir o erro fatal. Não foi preciso dizer-lhes isto duas vezes..." (MS, Portugal: Que Revolução?, pág. 131).»

[op. cit., pp. 80-81]

Nesta bíblia marciânica são aos molhos os argumentos demonstrativos da saga que os seus pressentimentos exigem para lograr secretos intuitos sem limites para a consciência e pudor, como se pode ilustrar com amargura e consternação desmentindo as suas próprias palavras enxovalhadas, quase uma antropofagia de decoro.
Em conclusão, MS/AP usou rigorosamente os mesmos ogres usados por Salazar que lhe permitiu a política do medo que todos conhecem e que no caso presente foi usado nos extremos da vergonha, violência psíquica e ameaças de dividir Portugal em dois, levando o governo para o Porto, episódios indecorosos que não podem ser esquecidos nem sequer abafados e que estão na base da liberdade constitucional concebida na antiga Grécia, que só era aplicável ao cidadão, ou seja, o indivíduo livre por nascimento, ficando de fora o escravo que, como tal, nasce sem direitos. É nisto que está a diferença. Assim, o grande socialista de gaveta só concebe a democracia de hoje, quando põe em lugar do escravo o trabalhador assalariado. É aí, neste pormenor, que nascem todas as divergências. E assim, o AP sabe mais do que o que o seu pai espiritual lhe ensinou:
«1977: Intervenção de MS, como Primeiro-Ministro de Portugal de visita aos EUA na recepção que a 22-4-77 lhe foi oferecida em Nova Iorque pelo Sindicato Internacional dos Trabalhadores em Roupas de Senhora e pelos sociais-democratas (destaque-se que antes tinha sido lida uma mensagem de George Meany e tinham discursado Sol Chaikin, presidente do Sindicato e Bayard Rustin, presidente dos sociais-democratas): "Quero começar por agradecer as palavras bondosas que me dirigiram - palavras que não mereço. A verdade é que, em Portugal, foi a resistência do povo português que conseguiu o milagre de dominar a ameaça dos comunistas quando eles controlavam os meios de comunicação social, se infiltravam nas Forças Armadas do nosso país e estavam de facto prestes a formar uma nova polícia política... O PS foi apenas o líder desse movimento. Nessa tarefa fomos ajudados por todos os partidos sociais-democratas do mundo, por todos os sindicatos livres e também aqui, nos Estados Unidos, encontrámos essa solidariedade. Quero, nesta altura, apresentar os meus agradecimentos, como fiz ao presidente Meany quando estive em Washington, pela solidariedade que nos foi prestada pelos sindicatos americanos e sociais-democratas americanos." (AFL-CIO, "Notícias do Sindicalismo Livre", vol. 32, 5.77).»

[op. cit., pp. 119-120].

Com esta apresentação, e apesar dos anos passados sobre a publicação da dita bíblia mariola, sem discussão conhecida, parece ser tempo de tirar conclusões com todo desforçado labor em favor das consciências e do futuro das gentes portuguesas, das quais fazemos parte de corpo inteiro, sem ideais congelados, sem necessidade de consultar os anjos, e não tendo aspirações políticas, muito menos querendo ser Presidente da República, ou talvez mesmo Papa se o milagre o justificar e converter-se à Bíblia Sagrada, o que não seria inédito na família Soares.
Assim e antes de tudo que possa ser comentado – e seria muito.

É tempo de perguntar e concluir:

1º - Se MS/AP já tirou da gaveta o socialismo, dado que em tempos idos o próprio informou o país que havia guardado o socialismo na gaveta (palavras suas, na TV, que ecoaram por todo o país) não constando se já o tirou, e sem ranço ou mofo, pois faz toda a diferença saber por razões de garantia de higiene social. E se, já em liberdade e após a deportação; teria renascido em boa saúde, dado o período de inactividade em clima de ar fusco. Só assim se poderá aquilatar do estado moral e físico, após o sequestro a que foi submetida a bagagem ideológica do profeta, para se poder fazer juízo de valor. Tudo isto é complicado, mas é indispensável bater o mato e a respectiva fauna predadora, desde o cuco à águia de rapina.

2º - Pela intervenção de MS/AP, acolitado por equipa especialista, lembrando só o Chile, matando Allende e pondo Pinochet na presidência do país. Agora é a viragem ideológica do 25 de Abril de mão dada com a mesma equipa terrorista de Estado, como se lê nas pp. 81-82 já citadas, e aqui em Portugal reforçada pela facção residente, igualmente bem credenciada por larga folha de serviços. É bom lembrar que não é só a Al-Qaeda que opera no mundo, não sendo sequer a mais perigosa.

EPÍLOGO

Analisando agora o desastre governativo que está afundando o país diariamente num dos mais negros momentos da sua história, é lógico que se conclua que o fecundo padreador Operacional que foi MS/AP, com o exercício dele próprio como Presidente da República, e antes como Primeiro-ministro, indiscutivelmente o táctico da Contra-Revolução e, como tal, face à folha de serviço e ao «Animal Político» a quem se tem de exigir explicações chamando-o à barra de um Tribunal de Consciência, não de passa-culpas ou intriga de saguão, frente ao processo evidente dos seus palpites, verbi gratia as suas íntimas aspirações políticas.
Assim:
Além de ideólogo, também foi táctico e estratega de todo o processo, verdadeiro «Animal Político» no pior dos sentidos, É de toda a evidência que neste processo MS/AP actuou profundamente como "ditador" singular, com um poder que ninguém lhe deu e que pela intervenção estrangeira lhe caiu nos braços. Consequentemente, o dito «Animal Político» não é contra as ditaduras, ele próprio foi "ditador" com a protecção da plutocracia vinda pela mão dos EUA (governo, embaixada), também portuguesa bem conhecida, enquanto o socialismo vegeta na gaveta à espera de oportunidade mais rentável. Ele só não admite a ditadura do proletariado à face da democracia moderna. Não seria tempo de revisitar a História e desmantelar todo este rol de disfarces e intrusões com o fito de não abalar o sistema capitalista, sob a intuição de um socialista que engaveta o próprio idealismo quando lhe dá na real gana? Para onde vamos? Ninguém sabe nem arrisca. Entretanto, há quem não perca tempo e se aproveite da maré («Só em 2010 portugueses aplicaram 1,2 mil milhões de euros em "offshores"», lê-se em artigo assinado por Paula Cordeiro no Diário de Notícias de 23 de Agosto de 2010): As fortunas começam a medrar no auge da crise como cogumelos, enquanto o desemprego e os impostos aumentam, os salários e os benefícios sociais definham; tudo à base de um socialismo engavetado. Obrigado, mas não queremos mais. Chega!
Em relação a MS/AP pouco adianta escrever mais. O seu travesti já está bastante amarrotado e com nódoas que não saem nem com lixívia… só resta dizer «Good bye boy». Para anjos basta o Céu.
Mas nada disto dispensa desmascarar autores e actores desta trágico-comédia que já foi longe de mais. Mais tarde, abatida a dor pelo correr do tempo, contabilizar-se-á o que se fica a dever aos palpites e profecias do anjo que iluminou a história com todas as consequências à vista, que se confunde com um espectáculo circense: ilusionismos, equilíbrios na corda bamba e outras artes de circo de feira. E para guião manter-se-á o Borda d’Água político do inefável MS/AP. escrito com as suas próprias palavras e ideias ao longo da sua vida. Em bom calão cá do bairro diz-se: «É preciso ter lata!».
Para acabar: a crise mundial vai acabar, mas volta. Não foi a primeira e não será a última. É cíclica. Todos o sabem porque os critérios da distribuição da riqueza do país, produzida pelo trabalho, não se alteraram. À causa segue-se o efeito.

«ESCOLHA OBRIGATÓRIA

1983: MS define assim uma opção (obrigatória) que se poria ao PCP, no discurso com que encerrou a discussão do programa do governo PS/PSD: "Um partido como o Partido Comunista, vivendo numa situação democrática pluralista e pluripartidária, como é a nossa, tem que escolher entre duas posições. Ou joga o jogo da Democracia e, obviamente, é aceite como um partido democrático, com tudo o que isso implica, ou não joga o jogo da Democracia, mas sim o da desestabilização e então o comportamento das forças democráticas em relação a ele tem que ser outro."»

[op. cit., p. 393]

Ora aqui está: «Façam o que eu digo, mas não o que eu faço». Depois de tudo o que aqui se recorda sobre as opiniões de MS e principalmente respondendo ao seu cognome AP, no caso presente pergunta-se: quem fez a escolha obrigatória, ao ponto de ter de se socorrer de forças estrangeiras, sem vergonha, sem pudor, ditatorialmente? Não há palavras para definir. Mas, sinteticamente, a alcunha de «Vilão de Consciência» responde melhor à prática em questão: a de «Animal Político» é injusta por meter todos os políticos no mesmo saco. Convém separar os campos: nem tudo é restolho.

Fernando Vieira de Sá
Lisboa, Agosto de 2010