«[...] a fome é a expressão última para a salvação do sistema capitalista agravado pelo subdesenvolvimento do Mundo sujeito à exploração de matérias-primas industriais e energéticas do capitalismo para o monopólio.»
F. Vieira de Sá,
O Reino da Estupidez nos Caminhos da Fome - Memória de tempos difíceis,
Edições Cosmos, 1996, p. 249,
Toda a Humanidade sabe da existência da fome, e parte substancial dela sofre-a na pele, constituindo a nódoa mais negra e vergonhosa da moralidade humana em qualquer civilização, independente das luzes da ribalta da espectaculosa aventura do progresso científico em todos os domínios.
Sendo assim, e tratando-se do maior de todos e gravosos problemas da Humanidade, não deixam de se interrogar as consciências pelo facto de nunca a Fome se apresentar como tal, mas sim como um fenómeno decorrente da própria vivência em cada quadro social inerente aos factores da emergência da vida, tal como toda a existência. Tudo isto em paliativo da má consciência colectiva.
Vendo as coisas como se querem ver pelo prisma do fatalismo e apelativo de qualquer ópio religioso consumido, explica talvez a razão de nunca o problema - o facto físico - ter sido objecto de incentivo de um Prémio Nobel em honor da luta contra a fome já que as há em notória variedade e para todos os gostos.
O Nó Górdio, levantando o véu da hipocrisia e desnudar as raízes do fenómeno, E para bem se saber do que se trata, parece recomendável explicar a fábula que vem pôr ao léu o pomo do problema, transcrevendo da Enciclopédia Internacional (20 volumes, USA, 1963 - tradução informal para mais abrangente acessibilidade) a entrada «Gordius»: «Legendário rei da Frígia, após o qual a capital passou a chamar-se Górdio. Um oráculo tinha previsto que viria uma carruagem conduzindo Frígia, um Rei que iria terminar com distúrbios internos. Quando o aldeão Górdio apareceu nessa carruagem o povo chamou-lhe rei. Górdio, por gratidão, dedicou a carruagem a Zeus, atrelando a sua carruagem com um complicado nó. Um oráculo declarou que, quem desfizesse o nó, deveria tornar-se Senhor da Ásia. Séculos mais tarde Alexandre o Grande desfez o nó com um golpe da sua espada e prosseguiu na conquista da Ásia. "Desfazer o Nó Górdio" é equivalente a resolver o problema por simples iniciativa.»
Voltando à fome e deixando-nos de oráculos, transferindo apenas o pensamento que a vida constrói, dir-se-ia que toda a questão se baseia no aparecimento dum Górdio-de-espada-à-cinta para desfazer o nó da infâmia ou do ripanço, trazendo para a ribalta a discussão das raízes da fome, tal como a dita se chama, se exprime e se manifesta na vida, sem subterfúgios.
Enquanto, porém, não aparecer um Górdio-de-espada-à-cinta para desfazer o nó da política monetária ou outra equivalente, seria interessante abrir aqui uma tribuna para reunir opiniões, deixando os amuletos na gaveta, abrindo as consciências e olhar para o mundo no respeito do seu próprio dever cultural de cidadão pensante, discutindo o Nó nas suas próprias raízes e não no travesti, mascarando a ignomínia, o que até agora tem sido tabu, usando subterfúgios que levam a congeminações teorizantes das quais se definem várias razões que levam ao fenómeno, não citando contudo uma que é a única autêntica, omnipresente e omnipotente: a incorrecta distribuição da riqueza, esta resultante, não de uma política democrática, mas liberal. A experiência o afirma. A democracia que tolera que, à sombra da palavra e da ideia, se achincalhe o ideal em favor do Poder Financeiro, que na sua própria génese pode ser tudo menos democracia.
Quem queira discutir, escreva.
Fernando Vieira de Sá
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