domingo, 5 de julho de 2009

VASCO GONÇALVES - PARA QUE NÃO SE ESQUEÇA

O texto de Vieira de Sá, evocando Vasco Gonçalves em mais uma passagem de aniversário da sua morte, deu origem a três comentários, dois enviados directamente para a caixa de comentários do referido texto e um que nos chegou via correio electrónico. Porque o exemplo de Vasco Gonçalves não pode cair no esquecimento, trazemos ao corpo do blogue os comentários de Júlia Coutinho, Miguel Urbano Rodrigues e Ruy de Paiva e Pona, a quem agradecemos esta participação.

Querido Fernando,

Fico sempre seduzida pela maneira afectuosa e simultâneamente pedagógica como evocas os amigos da tua vida.Vasco Gonçalves foi, para além do amigo que evocas, um homem excepcional a quem todos muito devemos. Foi a nossa utopia tornada realidade... ainda que por pouco tempo... porém, o suficiente para ficar na História como o Grande Amigo do Povo Português. Pena não ter seguidores.
Júlia Coutinho [19 de Junho de 2009]

PARABÉNS!
Escasseia-me o tempo para acompanhar o teu blogue, mas vi hoje a magnífica foto do General com a D. Aida, e alguns textos teus, todos no teu nível. Parabéns pelo bom trabalho que estás a realizar. Abraço fraterno
Miguel Urbano [19 de Junho de 2009]
Meu Caro Fernando:

Li, com todo o interesse, o in-memoria que escreveste comemorando o 4º aniversário da morte do General Vasco Gonçalves. Nele encontro, uma vez mais, toda a tua delicadeza e sensibilidade em relação àqueles que merecem, ou mereceram, o teu respeito e a tua amizade.
O General Vasco Gonçalves foi um militar culto, inteligente e com “larga visão progressista” como dizes, preocupado com os problemas sociais e com a sua solução. Penso, porém, que Vasco Gonçalves foi, sobretudo, um homem sincero e honesto, um homem de bem, um homem bom...
Com o 25 de Abril, julgou chegado o momento de dar execução aos seus sonhos. Porém, com a ingenuidade de todos os grandes reformadores, habituado a comandar tropas que lhe obedeciam, esqueceu toda a resistência e inércia da sociedade cujas regras de vivência pretendia modificar, em beneficio dos mais fracos.
Não me parece que a resistência a que me refiro seja apenas a das classes dominantes. Também essa inércia e resistência se verifica, em grande escala, na classe dos dominados, daqueles que iriam beneficiar com as reformas do sistema económico.
Diz o povo que:

“Quando a esmola é grande, o pobre desconfia...”

É nessa desconfiança, na sua experiência de milénios, que reside toda a sua resistência à mudança e aos reformadores...
No teu texto, dizes que foram quatro os governos provisórios presididos por Vasco Gonçalves; é verdade, mas não esqueças que todos eles se estenderam, cumulativamente, ao longo de um ano... Um relâmpago fulgurante, momentâneo, face às centenas de anos requeridos...
Tu, homem de cultura, certamente leste o Êxodo, o segundo livro do Pentateuco dos judeus, no qual se descreve a acção de um grande reformador da sociedade do tempo... Verdade ou mito, descreve-se neste livro a luta de Moisés para libertar os judeus, escravos, oprimidos e explorados pela classe dominante do Egipto.
Pois bem, se foi relativamente fácil vencer a classe dominante; foram os escravos, os explorados, que se revoltaram protestaram, quiseram mesmo assassinar Moisés, o seu libertador... Foram, necessários quarenta anos[1] para levar este povo rebelde de escravos para a terra prometida, a terra onde corria leite e mel...
A primeira geração não chegou lá...
O Prof. Abel Salazar, num dos seus livros[2], diz que, citando de cor,

«Sob o ponto de vista económico, social, intelectual e emotivo, o mundo actual tende a sair fora dos limites do seu Sistema Histórico, mas reage contra esta tendência porque outro Sistema Histórico significa outra civilização. Ora este Presente é já Passado e simultâneamente é já Futuro pois que o período de declínio de um Sistema, o seu período de decadência é, ao mesmo tempo, o prelúdio de um novo Sistema. Por esta razão, a decomposição, a desagregação actual está grávida de futuro e contém nas suas entranhas um mundo novo, uma nova civilização mas num reflexo instintivo de vida e de conservação, reage e tenta conservar o seu próprio Sistema.»

A passagem, de um Sistema para o outro Sistema, exige tempo...
Vou terminar estas tão longas divagações. Com elas quis encontrar uma explicação para o facto, que referes, do nome do General Vasco Gonçalves nunca ter sido referido na última comemoração do 25 de Abril nem ter sido lembrado no quarto aniversário do seu falecimento.
Lembraste-te tu!
Lembraste com saudade e respeito pelos valor material e mental pela humildade que demonstrou ao aceitar desconsiderações à sua pessoa perante a consideração de valores mais elevados. Mas, sobretudo, lembraste Vasco Gonçalves como um grande amigo e, isso, releva tudo o mais...

Um abraço do

Ruy [30 de Junho de 2009]
[1] Nesses tempos longínquos os anos eram, possivelmente, muito maiores que no nosso tempo!
[2] Abel Salazar – A Crise da Europa, Lisboa, Edições Cosmos, 1942.

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