«O estudo sobre "O Queijo Nacional de Tipo Holandês", em colaboração com Eugénio Tropa, mais tarde professor catedrático, levou-me um dia a Paredes de Coura onde, segundo vagas informações, foram feitas as primeiras tentativas para fabricar (ou imitar) o queijo holandês, que se importava em grandes quantidades da Holanda, chamando-lhe "queijo flamengo".
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Por volta das duas da tarde estávamos batendo à porta do palacete de Mantelães onde Bernardino Machado vivia. Eu não queria acreditar que dentro de momentos iria ser apresentado a uma figura mítica que para mim se agigantava de tal modo que me parecia impossível enfrentá-la sem uma emoção incontida, descambando em frivolidade de gestos e palavras, caindo numa bajulação que só traria e levaria a uma situação que eu queria que transparecesse respeitosa e admirativa mas não aduladora.
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E a propósito dos estudos que me ocupavam, a pouco e pouco embrenha-se na floresta da história de que ele próprio era obreiro de primeira fila. Não sei como o tempo se sumiu em toda aquela tarde onde me deu a sensação de estar lendo uma História de Portugal Contemporâneo, em que os protagonistas me aparecem em carne viva e os factos me dão a expressão de qualquer coisa humana em tempo real, pela alma que emanava da progenitura intelectual do estadista ali vitalizando o momento. Podia aqui reproduzir quase ipsis verbis essa interminável conversa em que Bernardino Machado, quase sempre de pé e passeando ao longo do salão onde estávamos, gesticulando e dirigindo-me a palavra fazendo-me entrar no assunto como sendo eu hodierno dos factos, querendo com isso provocar a crítica que ele não dispensava. [...] Uma conversa criativa e transmigrante no tempo. Por isso inesquecível.»
Ler mais em Fernando Vieira de Sá, Cartas na Mesa - Recordando Bento de Jesus Caraça e a «Biblioteca Cosmos», pp. 135-138. As gravuras acima, do palacete e da antiga Fábrica de Lacticínios (1879) de Mantelães - Paredes de Coura, pertencem ao blogue «Bernardino Machado», criado e animado pelo nosso querido Amigo Dr. Manuel Sá-Marques, neto do «vulto da República» que aqui homenageamos na passagem dos 99 anos do 5 de Outubro de 1910.
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