«Peripécias e Reflexões de um Trota-Mundos
Fernando Vieira de Sá, cientista, homem de cultura, médico veterinário especialista em produção e abastecimento de leite a centros urbanos, consultor da FAO durante muitos anos, em que percorreu o mundo e se relacionou com pessoas e terras, com o seu saber e a sua afabilidade, é também uma personalidade ética, respeitada por amigos e adversários.
A sua já longa vida ao serviço de causas democráticas e da revolução social, pô-lo à prova inúmeras vezes, dando-lhe ocasião de revelar lucidez, coragem e total dedicação aos seus ideais.
Tudo isso podemos observar ou deduzir deste seu atraente livro de memórias e também de afectos, que no-lo mostra em situações bem diversas, sempre sereno, espirituoso e aberto à compreensão do mundo. A sua concepção marxista da história e do futuro está bem presente no modo como vê e interpreta os factos, desde aqueles em que visivelmente o futuro se constrói até ao anedótico e ao burlesco.
É um racionalista com humor, claro e elegante na escrita, apaixonado pelas antigas civilizações, como se nota nas suas memórias e reflexões sobre povos e culturas, sempre convicto da necessidade do progresso e da importância da vontade na construção da cidade colectiva.
Um certo sentido do romanesco e da aventura, temperado pela ironia, dá algum sal e colorido a peripécias como as que o autor compendiou na parte do livro intitulada "A Viagem dos Incómodos e das Surpresas". Recordações avulsas, cenas pícaras, conclusões com certa filosofia empírica abundam nos relatos que se estendem do convite para visitar Nápoles à prova dos nove que se faz em Quito.
As páginas sobre a Tailândia são saborosas, cheias de inesperado e pitoresco e dessa humanidade profunda que Fernando Vieira de Sá projecta na transcrição de todas as suas experiências. Há também textos de particular comicidade como "Um corte de cabelo que acaba à bofetada". E não faltam informações preciosas sobre a realidade que nos são dadas constantemente em apontamentos sobre, por exemplo, as matérias-primas, as marcas do subdesenvolvimento e o avanço da industrialização. Temos assim neste livro múltiplas perspectivas, que vão do esquisso jornalístico à impressão pessoal.
E o volume espraia-se por terras e mares, do Indo-Cuch afegão ao Equador, onde Vieira de Sá, explorando o outrora império dos Incas, nos fala do clima, das gentes e costumes, da sua subida ao alto da Cordilheira, das vivências do andarilho.
No Brasil, em "Missão humanitária à americana", pinta o Rio de Janeiro, alude a uma evocação de Vieira da Silva, brinca com o inesperado, graceja com os frutos do acaso, surpreende-nos em "Levanta-se o véu" e "A imoralidade da história".
Depois vêm o Paraguai, Moçambique, a Líbia, onde há uma praga de gafanhotos e pedras que tombam do céu; e vemos Bombaim, na Índia, e o Bengladesh, que o narrador, com ironia dramática, chama "O paraíso da fome" e por fim o "Sonho de uma noite de Verão em Times Square".
É um livro muito variado, que instrui e diverte e nos aproxima mais ainda deste homem de esquerda generoso e íntegro que, após uma vida tão rica em andanças e batalhas, que as teve de sobra, ainda sabe rir e comover-se como um jovem e dar-nos, numa prosa desenvolta, muito dos tesouros que amealhou no seu deambular pela vida e pelo mundo.
Urbano Tavares Rodrigues»
Urbano Tavares Rodrigues, Prefácio do livro Viagem ao Correr da Pena - Colecção «Percursos da Memória - 2», pp.11-12
Fernando Vieira de Sá, cientista, homem de cultura, médico veterinário especialista em produção e abastecimento de leite a centros urbanos, consultor da FAO durante muitos anos, em que percorreu o mundo e se relacionou com pessoas e terras, com o seu saber e a sua afabilidade, é também uma personalidade ética, respeitada por amigos e adversários.
A sua já longa vida ao serviço de causas democráticas e da revolução social, pô-lo à prova inúmeras vezes, dando-lhe ocasião de revelar lucidez, coragem e total dedicação aos seus ideais.
Tudo isso podemos observar ou deduzir deste seu atraente livro de memórias e também de afectos, que no-lo mostra em situações bem diversas, sempre sereno, espirituoso e aberto à compreensão do mundo. A sua concepção marxista da história e do futuro está bem presente no modo como vê e interpreta os factos, desde aqueles em que visivelmente o futuro se constrói até ao anedótico e ao burlesco.
É um racionalista com humor, claro e elegante na escrita, apaixonado pelas antigas civilizações, como se nota nas suas memórias e reflexões sobre povos e culturas, sempre convicto da necessidade do progresso e da importância da vontade na construção da cidade colectiva.
Um certo sentido do romanesco e da aventura, temperado pela ironia, dá algum sal e colorido a peripécias como as que o autor compendiou na parte do livro intitulada "A Viagem dos Incómodos e das Surpresas". Recordações avulsas, cenas pícaras, conclusões com certa filosofia empírica abundam nos relatos que se estendem do convite para visitar Nápoles à prova dos nove que se faz em Quito.
As páginas sobre a Tailândia são saborosas, cheias de inesperado e pitoresco e dessa humanidade profunda que Fernando Vieira de Sá projecta na transcrição de todas as suas experiências. Há também textos de particular comicidade como "Um corte de cabelo que acaba à bofetada". E não faltam informações preciosas sobre a realidade que nos são dadas constantemente em apontamentos sobre, por exemplo, as matérias-primas, as marcas do subdesenvolvimento e o avanço da industrialização. Temos assim neste livro múltiplas perspectivas, que vão do esquisso jornalístico à impressão pessoal.
E o volume espraia-se por terras e mares, do Indo-Cuch afegão ao Equador, onde Vieira de Sá, explorando o outrora império dos Incas, nos fala do clima, das gentes e costumes, da sua subida ao alto da Cordilheira, das vivências do andarilho.
No Brasil, em "Missão humanitária à americana", pinta o Rio de Janeiro, alude a uma evocação de Vieira da Silva, brinca com o inesperado, graceja com os frutos do acaso, surpreende-nos em "Levanta-se o véu" e "A imoralidade da história".
Depois vêm o Paraguai, Moçambique, a Líbia, onde há uma praga de gafanhotos e pedras que tombam do céu; e vemos Bombaim, na Índia, e o Bengladesh, que o narrador, com ironia dramática, chama "O paraíso da fome" e por fim o "Sonho de uma noite de Verão em Times Square".
É um livro muito variado, que instrui e diverte e nos aproxima mais ainda deste homem de esquerda generoso e íntegro que, após uma vida tão rica em andanças e batalhas, que as teve de sobra, ainda sabe rir e comover-se como um jovem e dar-nos, numa prosa desenvolta, muito dos tesouros que amealhou no seu deambular pela vida e pelo mundo.
Urbano Tavares Rodrigues»
Urbano Tavares Rodrigues, Prefácio do livro Viagem ao Correr da Pena - Colecção «Percursos da Memória - 2», pp.11-12
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